Capítulo 1 decepção
Estela, acorda! Você vai chegar atrasada de novo! - gritou minha mãe do primeiro andar.
- Já vou, mãe! - O que tem ficar na cama mais alguns minutos?
Essa noite tive um sonho super estranho. Eu estava correndo em uma floresta, fugindo de alguma coisa, mas eu não conseguia ver claramente o que era. Deve ser a pressão da escola, está cada dia mais puxado...
Me dirijo ao banheiro, onde faço minha higiene matinal, e desço para cozinha.
-Bom dia, mãe. - digo lhe dando um beijo na testa.
-Bom dia. Atrasada novamente… só quero ver, na reunião de pais, se me chamarão a atenção por sua causa.
-Desculpa… Eu vou tomar jeito, prometo! - digo ao me sentar de frente à uma fatia enorme de bolo de cenoura, que estava cheirando muito bem.
-Ok. Mas, se apresse ou vai se atrasar mais ainda.
O caminho para a escola é perto, consistem em apenas três quarteirões. Mas antes, sempre passo na casa da Sol, uma amiga de longa data. E, é claro, ela tem um irmão gato que eu consegui fisgar com meu superpoder imaginário. Eu e Pedro estamos em um relacionamento sério há dois meses, e mesmo sendo pouco tempo, eu sinto como se fosse uma eternidade.
A Sol não aceitava no começo, mas acabou cedendo. Nós trabalhamos juntas em um café já faz um ano, e ontem o Pedro foi contratado também.
A casa da Sol é bem simples, de cor azul bebê, com um pequeno jardim na frente. Ela me traz a sensação de liberdade. Quando preciso fugir, é aqui que venho. É como meu porto seguro, podemos dizer assim.
Aperto a campainha, fazendo barulho e rapidamente a porta se abre.
- Sol, vam... - acabo me assustando com sua figura enrolada no cobertor dos pés à cabeça, e toda vermelha - O que você tem?
- Eu "bô bum gribe" - diz limpando o nariz com um lenço - É sua "culba"! Olha como eu "bô"!
- Minha??? - perguntei fazendo minha melhor expressão de sarcasmo.
Na verdade, ontem saimos para assistir um filme durante a noite, e na volta a chuva nos pegou e acabamos enxarcadas. Sol fica gripada com facilidade, então isso já era meio que esperado.
- Me desculpa, amiga... - digo enquanto lhe dou um abraço - Tenho que ir, o Pedro já foi?.
- Já! - ela diz se encostando na porta.
- Ok, então eu já vou. Estou bem atrasada, como é de se esperar - digo saindo correndo pela rua.
Chego na escola e o portão está fechado. Olho para a cabine, procurando pelo guardinha, que infelizmente ali está. Tenho que partir para o plano B, que não é nenhuma novidade, já que eu sempre acabo fazendo isso.
Rodeio a escola seguindo o muro até uma parte mais baixa e jogo minha mochila para o lado de dentro. Depois de várias tentativas em vão, consigo pular e corro para a escadaria que dá acesso ao segundo andar. Minha sala é a doze, 2º colegial A.
Paro em frente a sala de aula e respiro calmamente, tomo coragem e bato na porta.
- Senhorita Estela Brancy.... Atrasada novamente?! - diz o professor Frank assim que abre a porta.
- Desculpa, professor Frank. A Sol não estava bem e eu...
- Você é médica, senhorita Brancy? - pergunta me encarando com aqueles olhos escuros, que mais parecem duas jabuticabas.
- Não! Claro que não. É que...
- Então, não use sua colega como uma desculpa para chegar atrasada! - ele me interrompe mais uma vez - Vá para sua carteira, e quero a presença da sua mãe na reunião de pais semana que vem!.
- Ok. - digo entrando e seguindo para minha carteira, a qual fica no canto mais afastado da sala, perto da janela.
O professor Frank dá aula de química. Sua estatura é baixa, tem os cabelos grisalhos pela idade, uma barriga que cada dia cresce um pouco mais e usa um óculos na ponta de seu nariz branquelo .
Me sento e coloco meus fones de ouvido. Ninguém merece aula de química. Na verdade eu nem sei onde vou usar isso, sendo que, no futuro, eu quero fazer jornalismo ou algo relacionado a isso.
Acabo cochilando a aula toda, e nem percebo que já está na hora do intervalo. Saio correndo porta afora. Preciso encontrar o Pedro, hoje ainda não nos falamos.
Desço as escadas, entro no refeitório e dou de cara com Pedro e John conversando perto da porta. Eles nem notaram minha aproximação.
- Olá, garotos! - digo ao parar entre eles .
- Olá, Estela. - diz John sorridente.
- E aí, morena linda, que por sinal é minha namorada - Pedro diz enquanto me dá um beijo.
- Pessoal, eu já vou indo. Tenho que procurar a Sarah, sabem como é, né?
John começou a namorar sério faz duas semanas e morre de vergonha quando o assunto é a Sarah. Ele é bem tímido, o que o torna mais bonito ainda. Enquanto John é loiro, de olhos verdes, Sarah tem os cabelos castanho escuro iguais aos meus. Mas, eu tenho a pele um pouco mais branca que a dela.
- Ok. Depois a gente se fala, John - diz Pedro, fazendo o toque deles com as mãos. E John sai, nos deixando sozinhos .
- Bom, agora somos só nós dois - digo lhe dando um selinho.
- Você é uma tentação, sabia? - diz Pedro me beijando .
Pedro sempre é carinhoso comigo. Seus cabelos são castanho claro, e seus olhos cor de mel. Lindo, né?.
- Pedro, hoje depois que nosso turno acabar, que tal fazermos um cinema na sua casa? Eu passei lá, antes de vir, a Sol estava super mal. - digo encostando minha cabeça em seu peito .
- Hoje?! Ãn... be... Bem, eu tenho que ver... Se acabarmos cedo no trabalho, talvez dê certo.
- Você é o máximo, sabia? - digo lhe abraçando forte.
- Você também! Por isso eu te amo...
- Eu também te amo, demais!
- Ok. Agora temos que voltar para a aula. Nos vemos na saída. Vê se não se atrasa!.
- Tá ... - ele me dá um beijo e some no meio da multidão no corredor .
A escola sem a Sol é muito chata. Ela sempre fica zoando alguns alunos ou me faz acompanha-la até o banheiro. E hoje, o intervalo passou rápido demais.
Volto para a sala. Aulas acabaram rápido e eu encontro o pedro na saída, e fomos juntos ao trabalho.
O Café no Ponto é o mais frequentado da cidade. Meu uniforme é um vestido vermelho na altura das minhas coxas, e tem detalhes em preto.
Minha gerente se chama Pâmela, e sinto que ela não gostou de mim desde o início. E isso se concretizou, cada vez mais, conforme os dias foram de passando.
Chego e vou ao vestiário feminino me trocar e deixar minhas coisas em meu armário. Corro para o balcão, onde já haviam clientes me esperando.
As horas começam a passar. Hoje é o segundo dia do Pedro aqui. Ele me disse que havia gostado do trabalho, o que é óbvio, já que ele só faz as entregas.
Depois de tanto pedir, o relógio me atende e mostra 18:30h. Ajudo Natasha a fechar o café e fico a espera de Pedro para podermos ir embora. Meu corpo reclama pelo cansaço.
Natasha é uma garota legal. Terminou a escola ano passado e trabalha para pagar a faculdade de medicina, a qual ganhou setenta e cinco por cento de bolsa. Ela mora com os pais, e sua mãe é doente.
Já fazem meia hora que estou aqui esperando. Tento ligar para o Pedro, mas seu celular está desligado ou fora de área.
Nos até combinamos de assistir um filme em sua casa com a Sol. Será que ele já foi?.
Cansada de esperar, achei melhor ir para casa.
A rua está bem movimentada. Essa é a hora que todos saem do trabalho e voltam para suas casas. E, até mesmo, alguns já estão saindo para curtir a noite.
Viro a esquina, é uma pequena descida que dá acesso à uma ponte. De longe vejo um casal perto de um poste que está com a luz apagada. A moto do rapaz está estacionada na calçada enquanto a garota está lhe abraçando de frente.
Fico meio envergonhada por ter que passar por ali. Desço devagar, vestindo a blusa de frio que Pedro deixou comigo. Está começando a esfriar.
A medida em que me aproximo, posso reconhecer o casal. Semicerro os olhos para poder enxergar melhor. Espera aí, é isso mesmo ou eu estou vendo demais?. Limpo meus olhos, e olho novamente. É, realmente é ele.
- Pedro??! - Perguntei olhando para o casal e vendo que a moça em questão é a Pâmela, minha gerente no café.
Não estou entendendo nada. O que está acontecendo? O que eu estou vendo?
Tento andar, mas não consigo. Sinto meus olhos se encherem de lágrimas e minhas mãos suarem frio. Eu vou desmoronar, mas não aqui.
Crio coragem e dou alguns passos para frente. Os dois, que até então estavam se beijando, me olham e ao me reconhecer, Pedro muda de cor.
Ele tenta vir em minha direção, mas apenas balanço minha cabeça em negativa e saio correndo rua abaixo.
- Estela! Deixa eu explicar!.. - grita tentando me fazer parar, mas eu não quero ouvir. Só quero sumir desse mundo.
Eu esperava isso de qualquer pessoa, menos dele. Eu não consigo acreditar. Quando tudo parece bem, a vida nos passa uma rasteira. E dessa vez, ela me derrubou!