Capítulo 3
Nunca me senti tão patético.
-Eu não faço favores a menos que seja retribuído.-
-Se você quer dinheiro em troca...não posso te dar nada.-
-Isso parece bastante claro para mim.-
“Então o que você quer de mim?” perguntei exasperado.
Ele se levantou do chão quase com relutância e deu um passo em minha direção.
Eu o vi pegar uma mochila que estava num canto, o que só percebi naquele momento, e ele me entregou com um movimento apático.
-Ainda não sei. Você poderia fazer algumas dessas coisas por mim enquanto penso nisso. O que você está dizendo?-
Aqui está novamente aquele sorriso zombeteiro que deformou seu rosto fazendo meu sangue ferver nas veias.
Relutantemente peguei minha mochila, começando a perceber como seria minha vida agora que estava à mercê do idiota.
"Foi um prazer", disse ele caminhando em direção à porta.
Esperei alguns minutos antes de sair, esperando que ele já tivesse saído.
Esperando por mim atrás da porta do banheiro estavam Eve e Ren que suspiraram assim que me viram.
-Pensamos que você estava morto aí dentro!-
-Acabei de ter um acidente.-
-Tudo está bem? De quem é essa mochila?
-É meu. Vou deixar no vestiário.-
Tudo aconteceu em tão pouco tempo que não tive tempo de metabolizar.
Eu me vi cerrando o punho com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos.
Isso não deveria ter acontecido. Ele havia planejado horários e compromissos com muito cuidado, mas agora tudo corria o risco de explodir.
Eu não conseguia aceitar a ideia de que de agora em diante minha reputação dependia de Sam, o garoto de quem todos mantinham uma distância segura.
Eu estava procurando uma saída, uma solução, qualquer coisa, mas o fato de ninguém saber nada sobre minha vida privada não ajudava em nada.
Eu estava sozinho e não podia contar a ninguém sobre isso.
Ao entrar na sala, vi minha cliente habitual, completamente vestida, inclinada sobre o caixa para falar com Eve, que sabia que eu estava olhando para ela, mas evitava deliberadamente olhar para trás para não cair na gargalhada.
Terminamos o trabalho muito tarde e normalmente eu não me importaria de andar pelas ruas de Nova York à noite até o metrô mais próximo.
Naquela noite, porém, o que perturbou a paz geral foi a consciência de que tudo mudaria a partir daquele momento.
Eu não podia deixar isso estragar tudo que eu havia conseguido construir, o terror do abandono continuava a me assombrar, tornando inútil qualquer coisa que eu fizesse para não pensar nisso.
————
Meu quarto era muito pequeno.
A parede central toda coberta por CDs que colei pacientemente aos doze anos, além dos pôsteres das minhas bandas favoritas que cobriam as demais paredes sem deixar um centímetro vazio.
Coloquei a mochila em cima da cama e abri-a com cuidado, tirando livros e cadernos.
Quando tive certeza de que o bolso central estava vazio, fiz o mesmo com os bolsos menores.
Em um deles toquei com os dedos o que à primeira vista parecia ser um saco plástico.
Só depois de retirá-lo é que reconheci o pó branco dentro.
Eu deveria ter esperado algo assim de alguém como ele, eu teria gostado de ver o rosto de Kayla em vez do meu.
Acho que deve ser ruim descobrir que seu namorado usa drogas.
Deixei tudo exatamente como estava escondendo minha mochila debaixo da cama.
E com toda paciência do mundo sentei na minha mesa, pronto para estudar a dois.
Acordei com as costas quebradas e os braços dormentes apoiados na madeira fria da mesa.
À minha frente havia mais cadernos e fichas do que deveria, servindo como um lembrete do que estava acontecendo na minha vida, que nunca foi mais sombria do que agora.
Na escola, o habitual congestionamento de pessoas dificultava a localização dos meus amigos, o que se tornou quase impossível quando uma figura alta, mas sombria, bloqueou completamente a minha visão.
Ele esperou na minha frente com os braços cruzados.
Mal notei sua carranca, completamente perdida na roupa que ele usava tão casualmente.
O mesmo moletom preto... o mesmo logotipo impresso nele.
A imagem do rosto do meu pai passou pela minha mente como uma fotografia.
Sua voz era tão real que senti necessidade de me virar para ter certeza de que ele não estava realmente ali.
Foi o estalar de dedos que me trouxe de volta à realidade.
- Você usou minhas coisas por acaso? Você parece um pouco chapado.-
Nunca imaginei que aquele garoto conhecesse a ironia.
Apesar do tom divertido, seu olhar era duro, como se algo o estivesse distraindo.
Tentando ser o mais discreto possível, entreguei-lhe a mochila com tudo o que continha que poderia ter me custado a expulsão.
Ele o pegou na hora, colocou-o nos ombros e começou a sair, fazendo-me casualmente uma saudação militar.
“Da próxima vez, não quero me envolver nessas coisas.” Ela sabia que eu estava me referindo à bolsa encontrada em um dos bolsos.
-Você poderia ter aproveitado isso.-
-Você sabe que eles poderiam te expulsar, certo? Você pode acabar na prisão.-
Não que eu me importasse com o seu percurso escolar, pelo contrário, poderia ter beneficiado da sua possível expulsão.
"Isso é tudo que estou esperando", ele respondeu com um encolher de ombros.
Eu queria perguntar o que ela havia decidido em relação à minha situação, mas não tive oportunidade, pois Kayla se juntou a nós logo depois.
Ela parou a centímetros de nós, olhando para nós confusa.
- Que estranho ver você conversando. Estou sonhando ou o quê?
Ele se virou e foi embora como se ninguém tivesse falado. Senti a raiva por seu comportamento crescendo a cada minuto.
“Acabamos de esclarecer todo o histórico da aposta”, expliquei.
Mas ela não ouviu, seu olhar ainda voltado para o garoto que estava de costas.
Corri em direção a Brent que vinha em nossa direção agradecendo a Deus pelo timing perfeito.
“Problemas?” ele perguntou, notando minha expressão.
-Não, estávamos esperando por você. Vamos entrar?-
Naquele momento ouvimos a campainha e o alívio tomou conta de mim.
Fui o primeiro a me afastar das crianças que entravam na sala de aula.
Eu necessariamente precisava me isolar.
Depois da aula houve uma hora livre, fui direto para a biblioteca em busca de sossego.
Não era um quarto muito espaçoso, mas o que o tornava mais aconchegante era a luz que filtrava pelas janelas dispostas uma em cada parede.
Adorei passar as horas livres naquele quarto, imerso no aroma do papel e da madeira.
Depois de escolher um dos muitos livros nas estantes, acomodei-me numa das poltronas, mas antes que pudesse começar a ler algo me distraiu.
Na verdade, Sam ficou na entrada olhando em volta, levantando o nariz, com a atitude típica de quem nunca havia pisado em lugares como aquele.
Ele estava olhando para mim e eu não entendi o porquê, juntei-me a ele na entrada com ar questionador.
-Amanhã às cinco, na minha casa.-
Ele me entregou um livro que segurava, com o título “História da Música” em letras grandes na capa.
Aquele tom autoritário começava a me irritar, precisava saber se valia a pena continuar a receber ordens dele.
-Preciso saber se você está disposto a ficar calado, isso é muito importante para mim.-
Tentei não parecer suplicante enquanto falava, embora o pedido já parecesse bastante humilhante.
-O silêncio não é ruim se for bem usado. Então você está aqui?
-Eu tenho que trabalhar. E aí você me explica por quê? - perguntei apontando para o livro que ele tinha na mão.
-Eu tenho que fazer alguma coisa, você pode me ajudar.-
O título do livro me atraiu como um ímã, meus pensamentos me levaram fortemente às aulas do meu pai.
Mas então começaram a surgir imagens de Sam e seus capangas me sequestrando assim que cheguei em sua casa, para vender meus órgãos no mercado negro.
Estremeci com o pensamento, balançando minha cabeça de volta à realidade.
"Amanhã em ponto", ele repetiu friamente, olhando confuso para minha expressão.
Fiz uma nota mental para ter mais cuidado e não deixar meus pensamentos vazarem em meu rosto, já que, visto de fora, poderia parecer muito constrangedor.
Esse pedido foi completamente inesperado, nunca pensei que seria convidado para ir à casa do Sam e teria sido um desastre contar para Kayla.
Eu teria que dar mais desculpas, sentia que meu relacionamento com meus amigos ficava cada vez mais tenso à medida que acumulava mentiras sobre mentiras.
Eu nunca sairia.
————
-Tá com tanta fome que chega a levar duas bandejas?-
-Isto é para você, estúpido.-
Brent deslizou a segunda bandeja cheia de comida para mim com um olhar de reprovação.
Cheguei atrasado para o almoço sem perceber, muitos alunos já estavam se levantando e as mesas ao nosso redor estavam quase vazias.
-Que cavalheiro.-
-Sim, só com aqueles que combinam com você. Eu tive que fazer fila-
Vimos Alex bater sua bandeja ao lado da nossa, sentando-se na cadeira.
-Isso significa que você não merece, cara. E então eu não sou garçom.-
Todos eles riram.
Engasguei com os grãos de arroz e comecei a tossir, enquanto os dois continuavam se tocando.
-Você sabe onde Kayla está?- Brooke perguntou se aproximando da nossa mesa.
-Ele disse que ia procurar Sam.-
Ele bufou alto, tirando o cabelo do rosto com um gesto nervoso.
-Essa garota é irrecuperável. “Isso vai me deixar louco!” ele gritou, correndo para procurá-la.
O que normalmente eu teria feito também, exceto que não tinha vontade de falar com ela, muito menos contrariar Sam, mesmo que por engano.
-Você soube da grande festa na casa do Taylor?- Alex pergunta depois de um tempo.
Brent e eu reviramos os olhos.
-Dizem que também haverá fogos de artifício!-
Ele era o único do nosso grupo que adorava festas, não perdia nenhuma e nunca perdia a oportunidade de nos arrastar consigo aos locais mais estranhos para nos deliciar.
“Você nunca viu fogos de artifício na vida?”, perguntou Brent que, assim como eu, preferia ficar em casa, assistir a um filme e se empanturrar de pizza.
-Escute, estamos indo embora. Não aceito não como resposta.-
Concordamos com relutância, embora eu tivesse que admitir que esse tipo de festa com meus amigos nunca foi chato.
Ainda me lembro do ano passado, quando bebemos tanto que esquecemos onde morávamos e acabamos na delegacia gritando que havíamos perdido a casa.
Ou há dois anos, na primeira festa de Taylor, Brent e eu passamos a noite nos beijando para assustar os fãs dela, esquecendo de Brooke, que passou a noite chorando.
Olhando para as loucuras já feitas e para as novas situações que surgiram, aquela festa pareceu interessante.
-Você não deve dizer!-