Capítulo 5
Ao lado do carro, dou a ordem dos arrastão, comprometendo metade dos meus soldados para isto.
Como todas as demais ordens que eu dava, essa não foi questionada, acataram sem pensar duas vezes.
A volta para casa foi pensativa. Mesmo sentindo que era o melhor a se fazer naquele momento, o outro lado meu, aquele que foi ensinado pela minha mãe o certo e o errado, praticamente gritava que era errado, argumentando que pessoas poderiam se ferir e até mesmo morrer.
Trabalhadores que só estavam lutando dia após dia, para conseguir por o pão na mesa.
Foi então que minha consciência começou a pesar e mesmo não querendo pensar mais sobre o assunto, o assunto voltava para minha mente, como um chiclete, que se esticava cada vez mais, grudando nos dedos das mãos.
É quando noto André logo a frente em sua moto, que me concentro apenas no que estava vendo, acabando por pisar no acelerador, o fechando logo a frente.
André quase cai da moto, quando enfio meu carro em sua frente, descendo do carro de repente, sem ao menos desligar o motor.
Sua expressão é de puro choque, enquanto parecia tentar entender o quê havia acontecido ali.
- Por quê não atendeu o celular? - pergunto sem rodeios, ignorando os olhares assustados em nossa direção.
- Deixei em casa carregando.
- Não mente pra mim, André.
- E por quê mentiria pra você?! - rebate alterando a voz.
A vontade de lhe dar o argumento mais óbvio naquele momento, veio na ponta da minha língua.
Ele poderia muito bem estar ressentido, pelo fato de eu tê-lo dispensado no dia anterior.
E para tentar se vingar de mim, poderia estar me ignorando.
- A polícia pegou os dois caminhões - Ele franze levemente o cenho.
- E agora? - pergunta baixo.
- Já dei a ordem pra fazer arrastão no asfalto.
- Isto pode sair do controle.
- Não tenho muitas alternativas no momento - Forço um sorriso - Preciso de droga, se não é minha cabeça que vai rolar.
Ele olha ao redor, mantendo os olhos estreitos, voltando a me olhar em poucos segundos.
- O quê quer eu que faça? - Por alguma razão, sempre gostei quando ele me fazia aquela pergunta. Me fazia me sentir a mulher mais poderosa do mundo, naquele caso, da favela.
- Faça com que ninguém se machuque.
- Isso é impossível.
- Tente pelo menos - Dou as costas para ele, voltando para dentro do meu carro.
Em casa, encontro Alzira limpando a casa., a cumprimento com um rápido sorriso, subindo a escada em direção ao meu quarto.
Por causa de toda aquela agitação, minha barriga endurecia, causando um leve desconforto, impedindo que eu ficasse muito tempo, sentada, deitada ou em pé.
Já não aguentando mais, me rendo a um banho, permanecendo um bom tempo em baixo do chuveiro, tentando deduzir se o plano de Rubinho estava saindo como planejado.
Ainda vestida no roupão, que mal estava fechando na frente, me deito, não demorando para pegar no sono.
Quando acordo, o quê me pareceu ser horas depois, lá fora continuava claro. Deduzindo que já poderia passar do meio dia, levanto, entrando no banheiro para lavar o rosto.
Não havia nenhuma ligação de André, o quê me fez deduzir que algo poderia dar errado. Temendo que algo do tipo tivesse acontecido, ligo para ele, sendo atendida apenas da segunda vez que ligo.
- Como estão as coisas? - pergunto procurando o quê vestir.
- Tô esperando o resto dos moleques voltarem.
- Quanto até agora?
- Pra mim o suficiente - diz sério - Quando tiver o valor total, ligo.
- Tá. Tudo bem - Desligo, encarando o celular.
Não estava acostumada com a frieza de André. Ele havia me acostumado com uma versão amorosa, dedicada.
Era com a versão fria que tinha que me acostumar agora. Já que era com Marco que queria ficar e dessa vez, não tinha espaço para hesitação.
Saindo do meu quarto, dou de cara com Lidiane. Automáticamente, esboço um sorriso, o melhor que podia lhe dar naquelas circunstâncias e que sempre usava quando a variação de humor, me afastava dela.
- Moramos na mesma casa e quase não nos vemos - digo passando as mãos sobre minha barriga.
- Você tem pré-natal essa semana - Ela lembra, continuando a andar.
Reviro os olhos.
Sabia que todas as datas do meu pré-natal, graças aos lembretes que colocava no celular. Se não fosse isso, ainda estaria na primeira consulta.
- Até quando vai ficar assim comigo?
- Até o momento que você perceber o quê tá fazendo com a sua vida e com dessas crianças - Ela desce os degraus da escada - Devia estar preocupada com o quê vai ser dessas crianças.
- É por causa delas também que estou nisso - Ela me olha por cima do ombro séria. Suspiro - Só preciso de mais um pouco de dinheiro. Só o suficiente pra dar uma vida confortável para minha família e meus filhos.
- Já não acha que temos o bastante? - Mas não era o suficiente, penso, quando entramos na cozinha e vou direto para a cafeteira - Você não pode beber café! - Ela tira a caneca de café da minha mão.
Encostada na pia, cruzo os braços sob minha barriga pensativa.
Inúmeras vezes fantasiei o dia que finalmente deixaria o tráfico para trás e viveria a vida que sempre sonhei. Cursaria a faculdade de Gastronomia que sempre quis e teria uma casa espaçosa e bonita em um condomínio.
Me sentia mais perto a cada dia.
Não estava mais no interior do Ceará, graças a mim mesma, havia virado o jogo ao meu favor.
- Vou sair dessa vida.
Ela sorri irônica.
- Não saiu pelo Marco, acha mesmo que vou acreditar que simplesmente vai acordar um dia e não vai mais querer ficar no tráfico?
- Tenho dois motivos pra sair - Coloco uma mão sobre minha barriga.
- Será que eles dois serão suficientes?
- Não vou colocar eles em risco.
- Espero que sim. Não condene eles também - Ela toma um pouco do café da caneca, voltando sua atenção para os armários.
- Condenei você, não foi? - pergunto baixo.
Lidiane permanece de costas.
- Tô aqui por quê quero, Maria. Ninguém tá me obrigando.
- Só não sei por que tá aqui ainda.
Ela dá de ombros.
- Pra garantir que não se mate.
- Ainda não chegou minha hora.
- Tomare que não chegue tão cedo - Ela se vira um pouco para me olhar, dando um meio sorriso, antes de voltar a olhar dentro dos armários fartos de comida.
Como sinal de trégua, Lidiane preparou comida saudável, propícia para uma mulher grávida.
A demora da ligação de André, só fez minha ansiedade aumentar e quando finalmente ligou, a arrecadação do arrastão foi mais alta do que esperava, conseguindo parte do dinheiro que precisávamos.
No cair da noite, depois de ter certeza que Lidiane dormia, saio de casa fazendo o mínimo barulho possível com um destino em mente.
Dirijo ouvindo o som abafado do motor, com os olhos fixos na estrada pouco movimentada.
Pessoas subiam e desciam a favela, num grande fluxo, indicando o óbvio: baile funk.
Continuo subindo a favela, a velocidade do carro diminuída, olhando com atenção todas aquelas pessoas, esperando sair das sombras a qualquer momento Marcela. O fantasma que mesmo com Gael distante, continuava a me assombrar, junto com o mistério que a rondava.
Em frente a casa de Marco, solto o ar dos pulmões. Desligo o motor e desço do veículo, ouvindo o barulho dos meus saltos a medida que me aproximava do portão da casa.
- Tá perdida, dona? - Uma voz masculina soa em minhas costas, me viro no mesmo instante, encontrando um homem com uma metralhadora a poucos metros de mim.
- Estou atrás do seu chefe.
Ele me olha de cima a baixo.
- E quem é você?
Sorrio de canto, erguendo uma sobrancelha.
- O diabo em pessoa - Ele franze o cenho - Agora se não quiser saber o por quê me chamam de Perigosa, é melhor avisar ele que estou aqui.
Sem tirar os olhos de mim, ele pega o radiozinho na cintura.
- Aê, Sabiá. Avisa o chefe aí que a Perigosa tá aqui.
O radiozinho chia e instantes depois, uma voz masculina soa.
- Vou passar o recado.
Me encosto no muro, cruzando uma perna na frente da outra, sustentando o olhar do soldado que, não tirava os olhos de mim.
