Capítulo 3
Eu não disse nada enquanto o observava esperando para finalmente ficar sozinho no escuro. Quando ele fechou a porta, finalmente percebi que não havia cama, apenas um colchão sujo no chão e um banheiro. - O que é tudo isso? - perguntei a mim mesmo enquanto me sentava no chão com as costas contra a parede e finalmente chorei. Chorei por causa da dor que sentia em meu braço e por causa do erro que havia cometido. Encostei minha cabeça na porta fria e rezei para que tudo fosse um pesadelo quando eu acordasse, embora soubesse que não seria por causa da dor.
Meu corpo inteiro doía, assim como meu arrependimento começou a crescer. Eu havia desistido de tudo por uma família que nem sequer me visitava.
O que estou realmente fazendo com minha vida? Se é que se pode chamar isso de vida.
Fechei os olhos, ignorando o cheiro, o frio e a dor. Adormeci sentado no chão, segurando minhas pernas contra o peito, com lágrimas já secas nos olhos.
Não sabia quanto tempo fiquei dormindo até ouvir barulhos na porta, o que me fez deitar e virar para o lado oposto. Mantive os braços cruzados na frente do corpo, tentando me proteger do que quer que viesse em minha direção.
- Há um visitante - O mesmo guarda da noite anterior falou como se não fosse nada quando eu tinha a lembrança em meu braço. - Saia logo!
Fiquei olhando para ele por mais alguns segundos, talvez eu só quisesse encará-lo ou continuei parado por medo do que ele poderia fazer. Eu realmente não sabia. Demorei um pouco para segui-lo, subindo as escadas o mais rápido que meu corpo me permitia e finalmente indo para uma ala que eu não conhecia. Uma ala do reformatório que era reservada para visitantes. Uma sala grande com algumas mesas e cadeiras, câmeras por toda parte e uma porta gradeada que levava a outra porta, que supostamente levava para fora do reformatório. Olhei para a única pessoa e rezei a Deus para que houvesse algum engano. O homem sentado elegantemente em uma cadeira de metal era o mesmo juiz que havia me condenado.
- Demorou um pouco - ele comentou casualmente enquanto olhava para mim por um longo tempo.
O silêncio se tornou cada vez mais angustiante.
Eu não conseguia olhar casualmente para o juiz sentado à minha frente, muito menos me sentir pronto para me levantar e voltar para o cubículo escuro e úmido. Eu estava adiando o inevitável, eu sabia.
Inconsciente, acabei levando a mão ao meu braço machucado, acariciando-o levemente, para me lembrar do que havia acontecido comigo. Eu precisava manter a racionalidade e o equilíbrio se quisesse manter minha sanidade. Não queria me transformar em um animal.
-Não vai perguntar o motivo da minha visita? - A voz do juiz era ainda mais grave e masculina do que eu me lembrava. O juiz que havia me colocado naquele reformatório era o único sentado à minha frente com um rosto impassível. Talvez ele tivesse se arrependido e buscado alguma redenção.
- Se houvesse algum motivo, ele teria falado e não esperado que eu dissesse alguma coisa - falei como estava acostumado. A desconfiança em relação às pessoas era o único escudo que eu tinha. - Se você quer falar, diga logo.
Revirei os olhos enquanto os mantinha fixos na parede branca do outro lado da sala. Não queria encará-lo por medo de ver desprezo neles. O mesmo desprezo que eu havia visto antes no tribunal.
-Você vai dizer a verdade? - Sua pergunta me fez olhar para ele com confusão. Estou me referindo ao incêndio e à invasão do prédio", esclareceu ele, mantendo as mãos sobre a mesa. Elas estavam com as palmas para baixo. Ele parecia querer mostrar que não estava correndo perigo para mim.
- Não sei do que está falando. Eu entrei no local, coloquei fogo em alguns papéis, mas tudo saiu do controle, acontece - dei de ombros sem tirar os olhos dele. Não queria perder sua expressão de descontentamento ou resignação, mas ele sorriu. O juiz parecia se divertir com tudo.
- Nós dois sabemos que você não foi o único culpado pelo crime.
Tentei não ficar pálido e consegui sorrir com sucesso.
- Eu era o único, desculpe-me por desapontá-lo - levantei-me sabendo o que me esperava, mas antes que eu percebesse, soltei um pequeno grito quando senti a mão do juiz apertar meu braço machucado, para me impedir de fugir. Quando me dei conta do que havia feito, era tarde demais, o juiz já havia puxado brutalmente minha manga e estava analisando o ferimento em meu braço. - Não era nada - eu menti sem saber por quê. Então era assim que as vítimas agiam? Sempre negando o crime e mantendo a cabeça baixa.
Tentei não pensar nisso, mas sem sucesso.
Eu era patético.
- Quem fez isso? A marca não é de uma garota. A marca é grande demais para isso. O juiz não era tão burro quanto eu pensava. Sua análise conseguiu ser muito precisa - Um dos guardas fez isso então - Ele testemunhou quando me libertou. - Quem fez isso?
- Ninguém fez isso - Eu continuei mentindo sem entender por que fiz isso.
- Se você continuar mentindo, tudo vai piorar, você sabe. Ele fez mais alguma coisa com você? - senti o olhar dele me analisando minuciosamente - Ele deu em cima de você? - Sua pergunta foi mais fria do que deveria ter sido.
- Eu disse que não aconteceu nada", gritei angustiada com suas perguntas. Eu não queria ser conhecida como uma delatora naquele reformatório.
Havia regras em um reformatório, e a principal delas era não ser um delator. Eu ainda queria conhecer o Breno e os outros meninos do grupo. Eu ainda queria viver, mesmo que isso não significasse nada para as pessoas ao meu redor.
- Não me importa se você quer continuar negando a verdade, mas, como juiz, não vou ficar de braços cruzados", anunciou ele antes de sair da sala de visitas. O que ele queria de mim, eu não fazia ideia, mas cada vez que ele falava algo eu acabava me sentindo pior.
Aquele juiz tinha o poder de destruir toda a confiança que eu havia conquistado.
***
Passaram-se dois dias, três dias ou semanas? Eu não sabia dizer. O cubículo úmido não parecia tão desagradável depois de passar tanto tempo nele. O colchão, que antes era nojento, agora era muito confortável.
A escuridão era aconchegante e a umidade conseguia deixar a temperatura agradável.
Sorri com meus pensamentos ingênuos antes de me enrolar no colchão. O que você estava pensando? Ficar trancado sem falar com ninguém, sem ver a luz do sol ou sem poder andar livremente era intoxicante.
Eu me sentia cada vez pior.
Não havia nada além de escuridão e vazio.
Se continuar assim, vou enlouquecer.
Pensei com firmeza enquanto olhava para um ponto na parede, onde podia ver algumas marcas provavelmente feitas por outra garota que já havia ficado presa ali.
- Devo oferecer meu corpo àquele porco para sair daqui? - perguntei a mim mesma, avaliando as opções. Ninguém iria me ajudar. Não havia ninguém no mundo que se importasse comigo o suficiente para contratar um advogado ou vir me visitar, e isso significava que eu poderia passar a eternidade naquele lugar. Se eu realmente oferecesse meu corpo como algum tipo de troca, eu não seria mais humano aos meus olhos. - Que porra é essa?", gritei frustrado enquanto cobria meus ouvidos com as mãos. Não queria ouvir meus próprios pensamentos.
Eu não queria ser a Angela.