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Jenny
Chego em casa perto das oito da noite e assim que entro no apartamento encontro a minha amiga na cozinha fazendo algo. É estranho porque ela deveria estar trabalhando agora. Assim que adentro a sala, largo os meus materiais em um sofá e me jogo no outro. Ela ergue a cabeça e sorrir, pega um pano de prato, seca as mãos e vem sentar-se do meu lado.
— E aí, me conta como foi?
— Você não devia estar trabalhando? — questiono ignorando a sua pergunta animada.
— Devia, mas liguei para o hospital e dei uma desculpa porque precisava saber como você se saiu.
— Sério, foi uma grande merda! Aquele povo é doente por trabalho. Acredita que os residentes trabalham como loucos lá dentro?
— Detalhes, Jen, por favor!
— Eu fui um fracasso como sempre, mas juro que me esforcei. Não sei por que não me botaram para correr de lá ainda.
— O que você fez?
— Para começar? Não soube identificar um bebê nascendo e ainda dei uma de idiota na frente do meu instrutor. — Suspiro quando a sua imagem aparece nítida na minha frente. — E pra piorar cai da cadeira de bunda no chão. Sem falar durante todo o dia quando eu tropecei em alguns fios, ou esbarrei em algumas pessoas. Eu sou um desastre ambulante, Amber. A minha madrasta tem razão — resmungo desanimada, deitando a minha cabeça no seu colo. Minha amiga acaricia os meus cabelos.
— Nada disso, Jen, nada de se autodepreciar. Você é maravilhosa!
— Não tenho tanta certeza disso.
— Vem, vamos comer. A macarronada americana está pronta e tem um vinho bem gelado nos aguardando. — Sorrio.
— Obrigada por ser a minha amiga perfeita!
— Não sou perfeita, Jen. Ninguém é, devia saber disso. — Ela bufa enquanto caminha de volta para cozinha.
— Mas você é — insisto, indo logo atrás dela. Contudo, paro na pia para lavar as minhas mãos e me acomodo no banco alto da pequena ilha, que separa a cozinha da sala.
— Nossa, uma delícia, como sempre! — gemo, fechando os olhos e saboreio a comida.
— E o instrutor, ele é gostosão? — Engasgo com o vinho quando escuto essa pergunta escapar da sua boca. Puxo a respiração enquanto ela massageia minhas costas. — Pelo visto o homem deve ser um Deus! — Ela cantarola quando consigo respirar tranquila.
— Não quero falar sobre isso. — Amber sorrir.
— Por que não?
— Porque é desconcertante.
— Desconcertante como? — Largo o garfo sobre o prato e encaro a minha amiga. Respiro fundo mais uma vez e me dou por vencida. Se eu não contar nada ela não vai me deixar em paz e eu quero. Na verdade, eu preciso muito dormir essa noite.
— Ele é... muito mais que lindo. Ele é... gostosão, bonitão, fortão... um tesão. —Tapo a boca imediatamente quando percebo o que acabo de dizer e Amber gargalha sonoramente.
— Você gostou mesmo dele, hein? — ralha empolgada.
— Ele é desconcertante! — repito e bufo. —Se eu sou destrambelhada, perto dele eu sou pior ainda. É automático, sabe? E ainda tem o fato de pensar alto o tempo todo.
— Pensar alto? Achei que você tinha parado com isso.
— E eu parei... até hoje — lamento e me levanto do banco. Pego o meu prato e a taça de vinho e vou para a pia. Começo a lavar quando a minha amiga começa a perguntar:
— E como é lá? — A mudança de assunto me relaxa um pouco.
— Grande, muito grande e lindo também. E ao contrário do Central, lá tem muito trabalho. Acredita que ajudei o doutor gostosão a fazer um parto hoje?
— Uau, você já o chama de doutor gostosão, é? — Encaro a minha amiga com uma cara de Amélia.
— Amber, eu disse que fiz um parto hoje e você focou apenas nessas duas palavras? — ralho, porém, ela fica séria.
— Oh, parabéns pelo parto, Jen! Eu estou realmente muito orgulhosa de você, mas estou realmente interessada em saber mais o seu doutor gostosão.
— Não tem essa de meu doutor gostosão, Amber. Ele é apenas o meu instrutor e pode ser casado, sabia? Ou noivo, ou pode ter uma namorada...
— Ou pode ser solteiro. — Ela me interrompe e o seu sorriso aumenta de tamanho.
— Por Deus, Amber, pare! — peço entrando em pânico. Porque quando essa mulher põe algo coisa na cabeça sai de baixo!
— Por que eu faria isso? — insiste.
— Por que ele é meu instrutor e você sabe muito bem o que dizem sobre os residentes que se envolvem com os médicos, não é? — Ela suspira.
— Ok, você tem razão! — Assinto aliviada.
— Preciso ir dormir, estou cansada e o Mont Sinai não alisa. A metodologia deles é aterrorizar os alunos. — Ela sorri e logo caminhamos para sala. Pego a minha bolsa e vou para o meu quarto.
— Espera aí! — Ela pede, chamando a minha atenção. — Você fez um parto hoje? — indaga e eu rolo os olhos.
— E eu pensei que a abestalhada dessa relação era eu!
?
Tomo um banho quente porque a noite está bem fria e porque preciso relaxar também. As cenas de um sonho me vêm à cabeça e eu me pergunto se o gosto dele é igual ao do meu sonho. Não devia pensar nisso, mas não consigo evitar. Na minha adolescência evitava ao máximo os garotos. Eu sempre fui uma garota franzina, sem jeito e desastrada, tinha vergonha de conversar com os meninos e não me achava bonita suficiente. Nunca fui do tipo gostosa como a minha irmã Ashley.
Ela sim é muito linda! Estupidamente linda. E os homens estavam sempre em cima dela como mosca no lixo. Balanço a cabeça para jogar esses pensamentos para bem longe.
Não sei por que estou pensando nisso agora. Ralho comigo mesma e saio do banho e após me secar, envolvo uma toalha no meu corpo e outra nos meus cabelos, para sair do banheiro em seguida. Entretanto, solto um grito agudo quando vejo Amber deitada na minha cama, em um quarto a meia luz.
— Oh nossa, Jen, sou eu!
— Quer me matar de susto, é esse o seu plano?! — exaspero após respirar fundo várias vezes seguidas e acendo a luz.
— Posso dormir aqui com você hoje? — Ela pede e dessa vez a encaro especulativa. Amber tem os olhos tristes e confesso que faz tempo que não a vejo assim.
— Você teve outro pesadelo? — Procuro saber um tanto preocupada. Ela assente. — Tudo bem, você pode dormir comigo! — Começo a secar os meus cabelos enquanto ela volta a se deitar e se cobre com o meu edredom. Minutos depois, ponho um pijama de flanela e me junto a ela na cama. — Você está bem?
— Estou. Eu sempre fico bem. — Apenas meneio a cabeça e me deito do seu lado. Amber se aproxima mais para aconchegar-se em mim e ficamos em silêncio por algum tempo.
— Você já teve sonhos eróticos? — A pergunta escapa da minha boca sem que eu consiga evitá-la e eu me desconjuro por isso. Minha amiga ergue a sua cabeça e um par de olhos assustadores me fitam em seguida.
Sério os olhos dela são grandes por natureza e agora eles estão assustadoramente maiores, gigantescos. Nem sei se isso é possível, mas está acontecendo aqui e agora, e a coisa só piora quando vejo o sorriso do gato Cheshire se abrir na sua boca.
— Porque está me perguntando isso, Jen?
Não tenho como responder isso, não tenho mesmo. Por que eu não mantenho essa minha boca fechada?
— Ah... não é nada. Esquece o que eu perguntei. — Ela dá um salto quase mortal no colchão ficando sentada em cima do colchão e eu penso que acoisas aqui estão meio sobrenaturais por aqui.
— Você teve um sonho erótico? Quando? Com quem? Por que não me contou? Jen, pelo amor de Deus você tem que me contar, senão eu não vou conseguir dormir!
Blá.. blá.. blá.. blá.. blá...
Ela fala e fala e fala sem parar e eu sei que não vai parar até eu contar-lhe cada detalhe. Por que eu não tenho uma amiga normal? Por que Amber tem que ser esse raio, esse trovão barulhento que insiste em acordar o mundo inteiro? Sem alternativas eu conto para ela sobre o meu sonho. O que foi ainda pior porque as perguntas não paravam e isso rolou pela madrugada até que ela não tivesse mais o que perguntar e nós dormimos finalmente.