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CAPÍTULO 4

Meu pai me conduziu pelo corredor da igreja e as centenas de convidados divididos dos dois lados do corredor me encaravam, Cosa Nostra de um lado, 'Ndrangheta do outro, os olhares observadores em mim, alguns com pena, outros com cobiça e aqueles que eu não conseguia decifrar, mas todos estavam ali vendo a virgem vestida de branco, sendo entregue ao próximo dono pelo próprio pai.

Olhei para o final do corredor, onde Filippo estava em pé. Alto e forte, com um sorriso doentio nos lábios, me esperando como se fosse o momento mais feliz da vida dele.

Talvez fosse para ele, mas para mim seria o meu fim.

Meu pai me puxou e minhas pernas pareciam me carregar em seu próprio ritmo enquanto meu corpo tremia de nervoso. Pétalas de rosas vermelhas cobriam meu caminho, amaciando meu caminho para um futuro duro e triste.

Eu sabia o quanto Filippo era horrível e que jamais me respeitaria, eu seria apenas um pedaço de carne, um corpo onde ele poderia se enterrar, um recipiente para carregar seus filhos.

A mão de meu pai se apertou em torno de meus dedos e eu soube que deveria erguer o rosto e voltar a encarar meu futuro marido, mas queria poder fugir dele pelos últimos segundos que me restavam.

A caminhada levou uma eternidade e, ainda assim, acabou rápido demais, eu só queria nunca chegar até o fim do corredor. Meu pai parou em frente ao altar e segurou os cantos do meu véu levantando antes de entregar minha mão a Filippo.

— Oi noivinha. — eu me forcei a sorri para ele, mas não porque gostava quando me chamava assim, era apenas por obrigação.

Depois que ele tinha me encurralado em um canto da casa na noite do nosso noivado e forçado sua língua para dentro da minha boca, todo o meu desprezo por ele se transformou em uma mistura de nojo e pavor, pois eu sabia que seria exatamente assim que ele faria essa noite, se forçaria para dentro de mim sem se importar com qualquer coisa que eu sentisse, simplesmente porque eu era sua propriedade.

“Quero ver você fugir de mim assim quando estivermos casados, você vai ser minha e vou fazer o que quiser com você.” Foi o que ele disse quando tentei desviar dos lábios nojentos dele.

O sacerdote, que vestia uma túnica branca, cumprimentou a nós e aos convidados, antes de começar sua oração inicial.

Tentei respirar fundo e me manter firme, mesmo que o espartilho apertado cortasse meu ar, dificultando minha respiração, mas a única coisa que mantinha meu foco era a mão dele apertado a minha, se esfregando de forma insinuativa só para me desestabilizar.

Quando finalmente o sacerdote chegou ao fim do Evangelho, minhas pernas estavam ainda mais moles enquanto o homem ao meu lado mantinha o sorriso nos lábios.

— Filippo e Angela, vocês estão aqui livremente e sem reservas para se entregarem um ao outro em matrimônio? — NÃO, era o que eu queria gritar. — Irão se amar e honrar um ao outro como marido e mulher até que a morte os separe?

Mas antes que pudéssemos responder passos sincronizados, como botas de combate batendo contra o piso da igreja foram ouvidos. Todos os homens puxaram suas armas, menos Filippo, que continuou segurando minha mão parecendo confiante de mais.

Talvez ele tivesse razão em pensar que não era um ataque, afinal os homens de guarda do lado de fora da igreja não tinham dito nada, não se ouviu nenhum barulho vindo de fora.

Mas antes que qualquer um surgisse na porta o barulho de um metal caindo no chão ecoou no silêncio da igreja.

— Granada! — ouvi alguém gritar e a multidão se agitou correndo, gritando, se esbarrando uns nos outros.

Filippo olhou em volta como uma barata tonta, desesperado por um abrigo, apertando minha mão com tanta força que pensei que quebraria meus ossos. Então algo explodiu a nossa volta, o som alto de mais massacrando nossos ouvidos, ele se virou correndo e me empurrando, eu não consegui e equilibrar com os saltos e cai no chão, batendo os joelhos na pedra dura e fria.

O caos em volta me deixava desorientada, a dor em meus joelhos me fazia querer chorar enquanto meus ouvidos ainda zuniam de forma dolorida, minha cabeça girava e todos os meus sentidos estavam uma bagunça.

Levei as mãos aos ouvidos tentando abafar o som ou ao menos conseguir pensar, enquanto as pessoas corriam a minha volta, me empurrando, pisoteando, me machucando sem se importarem.

— Mãe! Pai! — gritei tentando encontrar alguém.

Não havia fogo em volta, apenas uma fumaça branca tornando difícil a localização de qualquer coisa. Não tinha como achar meus pais ou irmãos, nem mesmo nossos seguranças pareciam estar por perto.

Quando eu pensei que ficaria ali esquecida, até ser pisoteada ou morta por nossos invasores, mãos grandes e firmes envolveram meu corpo me levantando e me aninhando nos braços fortes.

Eu não conseguia enxergar com a fumaça e a bagunça, mas me deixei ser levada pelo homem que me seguravam com maestria e de forma protetora, me levando para fora daquele inferno de lugar direto para a segurança de um carro.

Respirei aliviada quando a porta foi fechada e o carro saiu do lugar, com sorte eu teria ganhado mais alguns dias sem um marido, eu só podia torcer para que não tivessem muitos feridos e para que minha família estivesse em segurança.

Nem tinha me dado conta de estar sentada no colo do meu salvador desconhecido, mas bastou olhar para o lado para saber que havia algo de errado. Nenhum dos homens ali no carro era do meu pai, eu nunca os tinha visto.

— Quem são vocês? — perguntei já empurrando o homem que me segurava, querendo me livrar de suas mãos e sair de seu colo, mesmo que não houvesse outro lugar para sentar.

Minhas mãos voltaram molhadas e quando olhei para baixo vi que estavam vermelhas, o homem me segurando estava com a camisa branca cheia de sangue, assim como os homens ao lado dele, mas nenhum dos outros me olhavam.

— Bom dia anjo, me desculpe estragar o seu casamento desse jeito, mas foi a única forma de fazer seu pai ouvir a razão. — a voz grossa e imperiosa do meu salvador me arrepiou dos pés a cabeça. Franzi a testa confusa, ainda tentando me afastar dele e manter aquelas mãos longe de mim, mas ele apenas balançou a cabeça em negação. — Marco Falcone.

Os olhos castanhos e penetrantes, emoldurados pelas sobrancelhas grossas se focaram nos meus, enviando uma onda de calor por meu corpo, não estava a ser encara de forma descarada assim, os homens sempre desviavam os olhos de mim quando sabiam quem eu era.

Então aquele nome fez algum sentido na minha mente, eu já tinha escutado em algum lugar...

— Falcone? Chefe da...

— Camorra! — ele completou a frase para o meu total espanto, abrindo um sorriso lindo e assustador.

Mas tudo o que eu conseguia pensar agora era que eu estava morta, aquele seria o meu fim, foi o que conclui enquanto olhava aquelas íris hipnóticas e me dava conta de quem estava a minha frente.

— O Demônio da Camorra.

O homem que tinha me tirado da igreja, que me carregou no colo e ainda me mantinha próxima a seu corpo, sentada em seu colo, era ele, o homem mais temido por todos, que desde garoto fez sua fama de monstro e que se orgulha dela.

O chefe da Camorra e um dos inimigos de meu pai. O que ele queria comigo? Me tirar da igreja depois de nos atacar no meio do casamento e estar coberto de sangue, só me dizia que seu plano era terrível.

— Eu mesmo, anjo. E é um prazer finalmente te conhecer, minha futura esposa!

Marco

Angela me olhava aterrorizada, com as mãos estendidas em frente ao corpo tentando manter alguma distancia entre nossos corpos, mesmo que a um segundo atrás ela estivesse com o corpo aconchegado contra o meu, tão relaxada depois de ter sido salva, que eu conseguia sentir cada curva dela.

Não foi difícil encontrar a mulher de branco caída no chão, sendo pisoteada por todos os outros a sua volta. Um minuto antes de entrarmos ali ela era a salvação deles de uma guerra ou da total ruína, Angela estava ali para se casar pela famiglia e eles mostraram quanto valor isso tinha a eles: nenhum!

Até mesmo o desgraçado do noivo dela não foi capaz de protegê-la, Filippo a empurrou no chão antes de correr por sua vida e eu vi tudo isso muito claramente.

— O que querem? O que vão fazer comigo? — ela perguntou afobada, com a voz quase perdendo o fôlego enquanto olhava para o meu irmão Nero e Frank no banco ao meu lado. — Tenho certeza que papai pagará qualquer valor para me ter de volta intacta. Por favor, não me machuquem!

Os olhos doces e castanhos voltaram para mim e eu quis sorrir diante da ironia que eram aquelas palavras.

— Até onde eu sei eram os seus que a estavam pisoteando naquela igreja, nós fomos os mocinhos, te salvamos! — falei erguendo uma sobrancelha e ganhando um olhar de revolta dela.

— Tudo estava indo bem até vocês jogarem bombas lá dentro e atacarem a todos! — ela bradou de volta, mostrando que talvez não fosse apenas a princesinha que todos pensavam ser.

— Claro, você só estava sendo entregue em casamento a um escroto que já fodeu metade da cidade. — Nero resmungou ao meu lado, parecendo entediado com o assunto, mas quando vi o olhar horrorizado dela tive que dar uma cotovelada nele para que controlasse. — O que? Estou dizendo apenas a verdade, ela como noiva dele não deveria estar tão surpresa com o babaca. Ontem mesmo ele ficou até duas da manhã comendo as putas no bordel do pai.

Angela arfou em choque encarando meu irmão com a boca aberta, isso finalmente pareceu calar o idiota. Ele podia estar certo sobre isso, Filippo não prestava, nem mesmo para os padrões da máfia. Mas eu duvidava que Angela estivesse tão familiarizada com esse tipo de linguaja baixo, saber sobre sexo já devia ser algo improvável para alguém como ela.

Mas antes que eu pudesse dizer qualquer coisa ela se recuperou erguendo o queixo de forma altiva.

— Como se vocês fossem santos imaculados, todos vocês são iguais! Todos acham que nós mulheres somos propriedades, fantoches, que podem manipular e fazer o que quiserem! — ela gritou com toda a sua fúria e eu tive certeza de que aquilo vinha sendo guardado dentro dela por muito tempo.

O silencio reinou dentro do carro, todos ficamos ali paralisados a encarando, enquanto na minha mente só pensava o que ela teria sofrido nas mãos do pai, o que Angela teria visto e pior, o que Filippo poderia ter feito com ela.

— Queria que minha mulher pensasse desse jeito. — Frank foi o primeiro a falar, quebrando o gelo e nos fazendo rir.

— Minha irmã nunca vai pensar assim, ela pode ser uma Rossi agora, mas tem sangue Falcone naquelas veias! — Nero afirmou, e eu tinha que concordar, Melissa sempre foi a mais cabeça dura de nós três, não é atoa que se casou antes de nós dois.

— Deus me ajude quando a nossa filha nascer, que ela não tenha o gênio da mãe! — ele disse erguendo as mãos para o céu.

Angela encarou os dois parecendo interessada de mais na conversa, quase como se não acreditasse nas palavras deles. Então ela balançou a cabeça em negação e deu uma risada sarcástica, aumentando o tom a cada segundo até chamar a atenção dos outros.

— Nós prezamos por nossas mulheres, Angel. — ela semicerrou os olhos me enfrentando. — Podemos ser sanguinários com nossos inimigos e com traidores, impiedosos e duros com nossos homens, mas nossas mulheres são sagradas. Não as forçamos a nada e é por isso que se casam de bom grado e escolhem sempre homens que vão honrar a Camorra. Bem diferente do marido escolhido para você.

— O que você sabe sobre Filippo? Não sabe nada sobre ele, nem sobre a forma como meu pai trata as mulheres ou a famiglia!

— Sei bem mais do que você, Angel...

— Não me chame assim! — ela rosnou trincando os dentes e franzindo a testa.

— Seu pai tem mais amantes do que um dono de puteiro! E Filippo é tão podre quanto ele! — gritei cansado de tentar manter a calma enquanto ela se negava a enxergar o óbvio. — Nenhum dos dois presta, nenhum dos homens da famiglia cuida direito de suas mulheres ou se importa com o que elas fazem por eles! Do contrário não a teriam deixado caída no chão sendo machucada, a teriam protegido primeiro e depois pensado em suas próprias vidas, morrerriam protegendo você, que os estava livrando de uma guerra e trazendo mais aliados a eles!

Ela me encarou com os olhos arregalados parecendo chocada com tudo o que eu disse, nem mesmo Frank ou Nero abriram a boca nesse momento, vendo que minha paciência tinha se acabado.

— Você se acha superior... a eles, mas acabou de me sequestrar... e já estava dizendo que sou sua futura esposa. — ela respondeu com a voz falhando, quase como se estivesse com medo de mim, o mesmo medo que vi em seus olhos quando percebeu quem eu era.

— Sim, você é minha futura esposa, mas porque eu tenho certeza que você vai querer se casar comigo quando ver o que sua vida pode se tornar.

— E eu tenho certeza de que você vai abusar de mim como fez com as outras mulheres que fugiram da Cosa Nostra. — ela disse tão baixo que eu quase não fui capaz de escutar, Nero e Frank também se aproximaram querendo ouvir melhor.

— O que? — sim eu sabia das mulheres que fugiram e todas elas foram abrigadas e colocadas em segurança onde queriam em troca de informações. — Do que está falando?

— Você... você as estuprou e torturou... até que elas te dessem todas as informações que queriam... e então as matou sem nenhuma piedade. — o queixo dela tremeu e ela olhou com pavor para os dois homens ao meu lado, enquanto eu ainda estava atordoado processando o que ela tinha dito. — É isso o que vão fazer comigo, não é?

O carro parou e Angela olhou para fora parecendo ainda mais aterrorizada. Estava tão concentrado na nossa discussão que não reparei quando entramos na propriedade. Assim que meu motorista desceu do carro e abriu a porta, a mulher pulou para longe do meu colo e correu disparada.

— Senhor perdão, quer que eu vá atrás dela? — ele disse enquanto encarávamos ela correr no caminho de cascalho, segurando o vestido de noiva de qualquer jeito.

— Não, eu mesmo vou atrás dela.

— Parece que não vou ser o único a ter uma mulher de fibra. — ouvi Frank falar enquanto eu começava a correr atrás da maluca.

Ela não ia longe, não com os saltos que estava usando, e mesmo que não estivesse com eles, ainda haviam os portões e os seguranças. Não tinha ideia o que Angela tinha pensado que ia conseguir ao sair correndo daquela forma. Ela acreditava mesmo que conseguiria fugir?

Eu estava quase a alcançando quando a criatura complicada se virou para trás, dando de cara comigo a distancia de um braço dela. O pequeno anjo tropeçou na renda do vestido e estava prestes a cair no chão quando eu a agarrei pela cintura, girando seu corpo junto ao meu, fazendo com que eu caísse no chão acertando os cascalhos com minhas costas, evitando que ela se machucasse.

Seu corpo ficou por cima do meu, meus braços apertados em torno de sua cintura a mantinham presa ali. O olhar surpreso dela encontrou o meu e mesmo com os cabelos caídos em volta do rosto eu conseguia ver as bochechas vermelhas pela corrida, os lábios entre abertos com a respiração descompassada.

Porra, ela era linda e agora parecia uma anjinha excitada e pronta para ser fodida. Caralho, eu não podia pensar nisso agora, não antes de ter finalmente casado com ela e poder esfregar isso na cara de seu pai.

— Pronta para deixar de ser maluca e conversar como uma pessoa normal?

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