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CAPÍTULO 1

Eu estava deitada na grama lendo com Alessia e Enrico, o sol e o cheiro das flores do jardim eram bem melhores do que as paredes frias da biblioteca. Meus pais não aprovava eu estar ali com meus irmãos, eu já era uma mulher de dezenove anos, não deveria ficar perdendo meu tempo com os adolescentes, na verdade ele diz isso para Alessia também, mesmo que ela tenha apenas dezesseis.

Na máfia se torna uma mulher a partir dos dezoito e eu deveria agir como tal, especialmente sendo a filha do Capo di tutti capi, o chefe de todos os chefes. Meu pai estava acima de todos na Famiglia e sua família deveria ser um exemplo.

Foi assim que Lorenzo acabou morto pelas mãos do nosso próprio pai, para servir de exemplo.

— Quando chega a parte da ação? — Enrico que tinha apenas oito anos reclamou enquanto eu narrava a história do livro.

— Você sabe que é um romance, tem muito pouca ação aqui. — murmurei olhando para ele e bagunçando os cabelos castanhos.

Passos apressados atravessaram o caminho de cascalho, antes que pudéssemos ouvir os resmungos de mamãe com os saltos se afundando na grama.

— Com ou sem ação vai ter que deixar a história. — Alessia falou ao meu lado e eu me obriguei a dar uma olhada melhor em minha mãe.

Se fosse para reclamar de estarmos deitados na grama ela teria enviado um dos soldados para nos levar para dentro, pela cara séria, os lábios duramente apertados e a pressa dela, não era coisa boa.

 — O que aconteceu, mãe? — Perguntei antes mesmo que ela nos alcançasse.

Os olhos castanhos iguais aos meus focaram em mim e ela me olhou dos pés a cabeça, quase como se não me olhasse há muito tempo.

— Precisamos conversar, vamos. — ela estendeu a mão, não para me erguer do chão, era apenas um gesto automático dela. — Ele está esperando no escritório.

Me virei sentando e segurando a barra do vestido antes de levantar, me certificando que não mostrasse o que não deveria, afinal a casa era cercada de soldados e mesmos leais ao meu pai ainda tinham olhos.

— Ela não fez nada de errado. — Enrico foi logo dizendo e correndo para as minhas pernas.

— Não é nada disso, se acalme. — mamãe passou a mão na bochecha rosada dele, antes de agarrar minha mão. — É apenas uma conversa.

Mesmo com as palavras dela meu estômago deu um nó, nunca era uma conversa, não com Giovanni Mancini, meu pai não perdia tempo com conversas. quando cheguei em frente ao escritório de Papai.

Esperei um momento do lado de fora da porta, minha suspirou ao meu lado, antes de colocar a mão na maçaneta e me puxar junto com ela.

— Sente-se Angela. — ele foi direto. Sentado atrás da mesa de mogno numa poltrona larga de couro negro, cercado de estantes com livros e artes com as quais ele não se importava, mas que eram caros o suficiente para impor admiração.

Ele tirou os olhos do notebook aberto e me encarou com os olhos azuis que apenas Enrico tinha herdado, os cabelos grisalhos e as marcas de expressão de seus cinquenta anos deveriam lhe fazer parecer frágil e velho, mas era o efeito contrário, meu pai parecia duro como uma rocha e ameaçador.

Afundei em uma das cadeiras à sua frente e juntei as mãos em meu colo, minha mãe sentou ao meu lado, mantendo os olhos focados no marido.

— A Bratva está ficando mais forte, se uniu aos gregos e estão tentando reivindicar nossos territórios. Estão ficando mais audaciosas a cada dia. Temos mais sorte por termos tanto prestigio e estarmos de trégua com a Camorra e a 'Ndrangheta, mas não podemos mais ignorar a ameaça que os russos representam.

Eu concordei com a cabeça ainda em silêncio, confusa do motivo dele ter me chamado até ali para isso, já que segundo ele mulheres não têm porque saber dos assuntos da máfia.

— Chegou a hora filha, chegou a hora de cumprir seu dever com a Famiglia. — minha mãe falou ao meu lado me surpreendendo, porque aquilo só podia significar casamento.

— Temos que deixar nossas rixas de lado, unir forças se quisermos combater os russos. — eu escutei tudo muito atenta, pois sabia que dali ia sair a minha sentença. — Foi pensando nisso que eu e Morreti decidimos que um casamento seria o melhor para criar esse laço, Filippo, o filho mais velho dele e o futuro Capo, e você como minha filha devem que cumprir seu papel.

Morreti era o chefe da 'Ndrangheta e eu sabia bem quem era o filho dele, um homem arrogante, três anos mais velho que eu e muito longe de assumir o lugar do pai, mas que adorava dar ordens e pagar de Capo quando os outros não estavam por perto.

E eu só sabia disso porque meu primo Vincenzo adorava me contar as fofocas, especialmente as que envolvessem algum tipo deturpado de amor ou que fossem engraçadas. E tudo isso porque ele acreditava que poderia me fazer gostar mais do nosso estilo de vida, do mundo cheio de monstros em que vivemos.

— Encontrei com Morreti no sábado e o filho estava presente, eles estão ansiosos para essa união, Filippo mais ainda para conhecer você oficialmente.

Ele já havia se encontrado com os dois, uma reunião que decidiu meu futuro e só agora ele me falava. Claro, tudo já devia ter sido arranjado, afinal não se esperava uma discussão com a noiva em questão, todas as mulheres da máfia deveriam concordar e sorrir, era para isso que fomos criadas.

O olhar penetrante do meu pai me atingiu, mostrando que esperava uma reação minha. Se eu pudesse de verdade me expressar estaria gritando, gargalhando ou o chamando de louco, mas eu só podia fazer o que fui treinada, como um cachorrinho.

— Quando será o casamento? — foi a única coisa que eu pude dizer, era o que me preocupava no momento.

Meu próprio pai me atirou direto nos braços do meu futuro marido. Essa palavra “marido”, poderia ter um significado diferente lá fora, mas aqui na máfia só significava uma coisa: posse!

— Você vai se casar com Filippo no fim do mês. Vamos dar esse tempo para que se preparem, todas as coisas vão ser ajustadas Você será uma boa esposa da máfia e quando o encontrar na festa de noivado, se comportará como uma moça obediente.

— Festa de noivado? — aquilo era uma novidade, qual a necessidade de uma festa se o casamento seria em um mês?

— Claro. É uma ótima maneira de criar laços entre nossas famílias, e dará a Filippo a chance de ver o que vai lucrar com o acordo. Não queremos desapontá-lo.

Eu quis vomitar com aquilo, a bile subindo a minha garganta pois eu sabia que o lucrar a que se referia era a mim. Eu que nunca tinha sido beijada, nunca havia passado muito tempo sozinha na presença de um homem, agora seria exibida ao meu futuro dono.

— Quando? — Limpei a garganta, mas o nó permanecia. — Quando será a festa de noivado?

— Este sábado!

Dois dias, dois dias para o meu noivado com um homem que eu nunca conheci. Concordei tristemente sem poder fazer nada mais.

Eu amava ler romances e sempre que os personagens se casavam, eu ficava imaginando como seria o meu casamento. Mas nunca pude sonhar com isso, não me pertencia aquele pensamento, já nasci sabendo que um dia teria que me casar pela Famiglia. E agora tinha chegado a hora!

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