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Capítulo 3 — Sem apego

Freya

A sensação era que eu estava quebrada em mil pedaços. Ísis ainda dormia com a bunda para cima, sem nenhuma preocupação ou algo do tipo. Recolhi minhas roupas que estavam espalhadas em seu quarto, meu salto quebrado iria jogar fora assim que saísse dali.

— Ei… você é uma máquina? Como conseguiu coragem para levantar tão cedo? — Ísis me olhava como se estivesse bastante satisfeita com a noite de ontem, embora eu não pretenda nunca mais ir a um baile.

— Cedo? Já são quase dez horas. Eu preciso ir embora. Você vem?

— Pra que pressa, Freya? Passa esse domingo aqui comigo, vamos à praia e depois podemos fazer alguma coisa legal.

— Não vai rolar, eu não tô afim e quero mesmo ir pra casa. Tem alguém que pode me levar até a saída? O sol tá quente pra caramba e não gostei de andar com todo mundo olhando pra mim como se eu fosse uma atração aqui.

Apesar de negra, eu era ruiva dos olhos cor de avelã, minha mãe dizia que eu era a cópia do meu pai, embora não o conheça, já vi fotos suas e posso afirmar que é verdade.

— Sete deve tá por aqui, ele pode te levar até em casa. Pode ser? — Pelo menos era alguém conhecido de Ísis, eu me sentia até mais segura.

A mãe dela havia saído, seria falta de educação da minha parte ir embora sem conhecer a mãe dela? Sim, seria. Mas, eu não queria passar nem mais um minuto aqui, tinha medo de apanhar, depois do que aconteceu ontem eu não posso vacilar por aí.

Estava saindo do banheiro, apenas enrolada na toalha quando minha sandália ‘torou’ a correia e eu me abaixei para ver o tamanho do estrago.

— Cuidado por onde anda! — Aquela voz… levantei a cabeça e vi Jamerson paradas na minha frente, com um fuzil na bandoleira que estava em suas costas.

Segurei firmemente a toalha em meu corpo, garantindo que ela não cairia facilmente, não me deixaria exposta por tão pouco. Fiquei sem reação diante o que acabou de acontecer.

— Ísis foi chamar o Sete, ela disse que você já tá indo embora. Será que tem algum motivo pelo qual não queira ficar aqui? — Ele tinha em mãos uma sacola de pão, iogurte e mortadela.

— Se tem eu desconheço. Acho que aqui está me sobrando, todo mundo está acompanhado, eu não tô afim de segurar vela pra ninguém. — Disse de forma direta, sem rodeios e entrei no quarto para vestir a roupa.

Jamerson

Suas insinuações eram ridículas. Ela não parecia ser medrosa, mas tinha algo nela que me chamava a atenção e era sua aparência. Ela é determinada e faz o que dá vontade, sem se importar com o que vão falar ou pensar.

— O que tá fazendo aqui? Eu te avisei que ela tava sozinha, que mancada. — Ísis parecia indignada com isso, mas logo vi que ela não estava tão indignada assim, atrás dela estava Sete com um sorriso de canto a canto.

— Eu não imaginei que ela fosse tá somente de toalha. Mas eu não sou nenhum tarado, fica tranquila.

Me sentei no sofá e esperei ela sair do quarto, porque pela cara do Sete e da minha irmã, iam demorar tomando café. Tudo estava em paz, embora o meu rival estivesse querendo confrontar os meus, a gente era demais pra eles e não valia a pena arriscar uma invasão.

Finalmente Freya abriu a porta e saiu de lá com um vestido florido, os cabelos presos e uma cara nada amigável.

— Vamo, eu vou levar você pra casa. — Disse quase perdendo a voz, era uma coisa que eu não era acostumado a fazer, essa coisa era favores.

— Valeu, mas estou correndo de problema e você é um dos grandes. — Como ela poderia se negar a uma simples carona? Porque, até descer as ladeiras para chegar na entrada da favela, ela já estaria quase morta.

— Qual é? Eu só vou te dar uma carona porque você é amiga da minha irmã, nada vai passar de favor, gatinha.

— Vai Freya, aceita! — Ísis só queria um pé pra fazer a caveira de Sete, que se mantinha firme quando eu estava por perto, mesmo sabendo de todas as suas safadezas escondido.

— Tá bom, mas me deixa na entrada? Não quero sair por aí com você. — Ela falava o que pensava e isso era o que me deixava instigado ainda mais nela.

Olhares sendo lançados foram detectados. As amigas de Alice, eram como moscas em cima da merda, quando ela não estava no meu pé, mandava as amigas pra fazer o serviço de vigia em minha vida. Freya é orgulhosa, enquanto a moto entrava viela adentro, ela segurava na rabeta, ao invés de segurar em mim. Percebi que ela estava descalça e o pé quase encontrando no motor. A parada brusca no beco estreito, fez seu corpo quase cair para trás, por sorte eu enfiei a mão por dentro da blusa e segurei ela.

— O que foi? A gasolina acabou? — Sua voz trêmula era de puro medo de tá ali, sem saber ao certo para onde estávamos indo.

— Não, eu só quero saber qual foi a tua intenção ontem aqui no baile. Preciso ter certeza de que tu não é informante de ninguém, pra isso eu preciso de provas… — Estava sendo divertido, ver ela com medo de mim, medo de onde a gente estava.

— Eu só trabalho com a sua irmã, a gente divide o mesmo quarto e ela me chamou pra vir aqui. Eu só aceitei, não sou nenhuma informante ou coisa do tipo, só vim porque achei que pudesse ser legal e divertido, mas…

— Mas… o quê? Minha favela te incomoda? Ou o problema é outro? — Ela já havia descido da moto e estava encostava na parede, olhando a bela vista que ia além das vielas, barracos e violência.

— O que me incomoda é esse tanto de gente que faz briga por qualquer coisa, você é um deles e aquela sua louca de ontem também. Eu também sou pobre, então podemos dividir os mesmos pensamentos. — Então, além de tudo, ela reparava bem nos detalhes, embora ontem ela já estivesse bêbada pra caralho.

— Então seu problema sou eu? — Ela queria responder, mas gaguejou quando ia falar. Aproximei meu corpo do dela, aproximando meu rosto cada vez mais e vendo que ela cedia a tudo aquilo.

— Você é problema de outra, não meu. Será que pode avisar seus amigos que eu preciso ir embora? Tenho que trabalhar ou morro de fome. Faria essa gentileza por mim? — Seus lábios eram uma tentação, mas não era uma coisa na qual eu tinha injeção de tomar naquele momento.

Foguinho estava soltando fogos, indicando que havia chegado a carga que estávamos esperando há dias. Freya subiu a contragosto e eu a levei até em casa, sem conversas ou perguntas, havia coisas mais importantes naquele momento que eu não poderia vacilar.

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