Capítulo II
A polícia já havia colhido nossos depoimentos e levado os homens, as câmeras do restaurante ajudariam com tudo, não ia ser nada difícil provar o que aconteceu aqui, mesmo que eu tenha certeza que todos que verem aquelas imagens iriam ter um grande show de stand up.
Peguei minhas coisas dentro do restaurante, pronta para partir pra casa, mas aceitei seu convite, talvez um pouco de álcool me fizesse bem depois de toda essa loucura.
Assim que adentramos o bar a gritaria e calor humano nos atingiu. Havias pessoas levantando suas bebidas em nossa direção e outras dando tapinhas nas nossas costas e rindo alto.
— Garota você é corajosa viu. Bate aqui! — disse uma mulher erguendo a mão, onde eu bati sem nem mesmo a conhecer.
— Eu sempre digo, nunca mexa com as baixinhas! — um homem passou ao meu lado me jogando uma piscadela com um sorriso enorme.
— Ei, eu não sou tão baixinha. — reclamei, mas ele já tinha se afastado.
Sim eu era baixinha, um e cinquenta e seis em uma terra de mulheres de um e setenta.
— Tá bom pessoal, tá bom, vamos deixá-la respirar. — ele me colocou em uma banqueta no bar e a banda voltou a tocar algum rock dos anos oitenta que eu não conseguia me lembrar de quem cantava, mas lembrava a letra.
Murmurei algumas estrofes enquanto a mulher que tinha me dado um hi-five colocava uma cerveja
gelada na minha frente. Dei o primeiro gole deixando que o líquido frio e com goste forte de malte se espalhasse em minha boca.
Fechei meus olhos como se estivesse saboreando um prato feito na hora e não uma cerveja que estava ali já há semanas. Não podia evitar. Era sempre uma viagem quando comia ou bebia algo.
Quando abri meus olhos voltando a realidade me virei reparando no lugar, nunca havia entrado ali, apesar de trabalhar há dois anos de frente a ele não era algo que me chamasse a atenção, na verdade não era meu tipo de bar. Especialmente quando eu avistava a entrada cheia de motocicletas uma mais imponente que a outra, vários homens barbudos, tatuados, com piercings e mulheres belamente vestidas de couro e com maquiagens impecáveis.
Acorda, eu nunca subi em uma moto na minha vida inteira, todo meu guarda-roupa era repleto de vestidos coloridos e rodados, nada de couro.
Então não, nunca tinha entrado no bar Devil Heads, mas o ambiente me ganhou já de cara. No fundo do bar havia uma parede imensa feita de madeira rústica, a mesma que compunha o balcão, e estava cheia de todos os tipos de bebidas que podia imaginar, até ai tudo bem, você pode falar isso tem na maioria dos bares Maria.
Então a iluminação baixa, deixando o ambiente bem com ar de bares gringos, aqueles que você vê em filmes americanos, bem diferente da maioria dos bares que tentavam ser intimistas e acabavam parecendo com uma casa noturna.
Se isso não te ganhou te falo mais, as mesinhas espalhadas pelo salão eram na verdade barris, isso como antigos barris de cerveja, dando um toque totalmente único. Sem contar as paredes cobertas de posteres de bandas, fotos com cantores de rock, algumas de grupos de motoqueiros e vários, uma quantidade imensa, de adesivos antigos de bandas, motos, rock.
Se você disser que ainda sim não te pegou problema seu! Eu estava adorando cada minuto.
— Vem, vamos dançar. — Débora, a mulher simpática e garçonete do lugar, me chamou já me arrastando para a pista de dança.
Tocava um rock alto, quando ela segurou na minha mão e nós nos sacudimos como loucas.
Fazia tempo que eu não tinha esse tipo de diversão, tempo até de mais que não me permitia curtir tanto. Quem diria que para isso eu teria que quase ser assaltada e tomar algumas cervejas em um bar um tanto duvidoso?
— Ei, quer colocar um gelo nisso ai? — o herói tatuado, si eu havia apelidado o homem assim, me perguntou sem dificuldade alguma de se fazer ouvido sobre o som alto.
Eu tinha acabado de me sentar no banquinho, sentia meu corpo suado e parecia que estava eletrizada até de mais, já que tinha me esquecido completamente do que ele poderia estar falando.
Estava tão distraída com as músicas, danças e conversas de Débora que não me lembrava mais do que tinha me levado ali. Ok, podia culpar um pouquinho o álcool também. Rapidamente ele me fez olhar no celular e ver, a maçã do meu rosto tinha adquirido um tom feio de azul ou algo assim, e parecia estar inchada.
Me ergui do banquinho aceitando sua mão estendida e deixei que ele me conduzisse até os fundos do bar. Abrindo uma porta a direita, no corredor estreito, ele me mostrou um escritório nenhum pouco organizado, se você ignorasse a bagunça de papéis em cima da mesa talvez pudesse trabalhar ali.
Ele se virou indo em direção ao mini bar e eu me concentrei inspecionando o lugar, a mesa de madeira estava quase tão cheia que mal se via o tampo dela, havia uma cadeira preta de couro desgastado atrás. Um sofá pequeno do outro lado da sala e uma estante, que mais pareciam um deposito de papéis.
Céus, ele deveria ter um bom contador para deixar aquela papelada jogada assim, foi inevitável não pensar quando me debrucei vendo melhor os documentos que estavam largados ali.
Tive que me segurar para não começar a arrumar aquilo, até cheguei a passar a mão sobre eles, mas o homem voltou rápido com um punhado de gelo envolto em uma toalha felpuda.
Sem que me deixasse dizer nada ele mesmo colocou a compressa contra meu rosto, segurando-me imóvel no lugar.
Novamente estava tão perto, como se não entendesse o que significava espaço pessoal, e as mãos me tocando com um cuidado que não parecia combinar com toda a aparência dele.
Tentei ignorá-lo depois de encarar suas íris azuis, se olhasse por muito tempo pareciam serem capazes de drenar você para dentro delas.
Acho que bebi de mais! Já não estava pensando direito, íris que drenam pessoas, está pirando de vez Maria. Sacudi a cabeça, tentando desanuviar a mente e mudei o foco para a barba loira e os cabelos revoltos da mesma cor, pareciam se emaranhar se unindo, até que não pareciam tão horríveis agora.
O braço que segurava a compressa me permitia analisar de perto os desenhos tão variados que pareciam enigmas e se perdiam até seus dedos. Ainda tinham os anéis, vários deles que os cobriam.
Ele era uma coisa grande e cheia de informação ambulante, andando por aí e salvando mulheres. O pensamento quase me fez rir, então decidi puxar assunto para me distrair.
— Qual o seu nome? — perguntei ainda encarando os dedos. Porque a mão dele era tão grande céus? Tinha realmente necessidade?
— Miguel Ferreira. — sua voz mais uma vez parecia grave de mais em contraste com o silêncio me causando arrepios.
— Como o anjo. — murmurei encarando seu rosto. Com certeza ele tinha cara de anjo, mas do pescoço para baixo era totalmente a demonstração do contrário.
— Sim. — ele sorriu. — Minha mãe diz que eu parecia um anjo, isso até eu chegar a adolescência, ai tudo mudou. E você?
— Maria, Maria Nascimento.
— Como a virgem. — constatou fazendo como eu, mas seu comentário de repente me fez engolir em seco, meus pensamentos voando para outros lugares. — Estamos em perfeita harmonia aqui, a virgem e o anjo. — a voz grave e a conversa sobre virgindade me causou um arrepio na espinha, levando meus pensamentos cada vez mais para o lado impuro da coisa.
— Só não me diga que vou conceber um filho. — falei antes de pensar e sua gargalhada me atingiu, era lindo ver um homem daquele tamanho e com uma cara tão séria se acabando de rir. — Isso, ri mesmo, vamos acabar os dois no inferno por isso!
Mas não deu outra, eu já estava dando risada junto com ele. O diabo estava me adorando essa noite, só podia.
— Você é engraçada. Essa sua versão combina mais com as roupas que vejo você usar. — Miguel pontuou afastando o pano e voltando a conferir meu rosto com delicadeza que não condizia com o homem que aparentava ser.
— Como assim? Que versão de mim você conhecia? — perguntei confusa.
Nunca havíamos nos falado, como ele podia me conhecer? Eu tenho certeza que mesmo que estivesse em uma rave muito louca eu lembraria de um homem assim.
— Sua cara de brava e sempre tão séria quando anda na rua. Está sempre com a cara amarrada como se tentasse desvendar um mistério novo a cada dia ou prestes a matar alguém.
Foi a minha vez de gargalhar. Claro, as pessoas sempre me viam na rua e pensavam nossa que mulher louca, que pessoa mais séria e chata, mas na verdade eu provavelmente estaria pensando em alguma coisa muito idiota no momento como: a palavra sozinho no plural perde o sentido, porque se vocês estão sozinhos você não está mais só, entenderam?
— É minha cara espanta babaca. — ele fez uma cara de quem não tinha entendido, mas que já achava graça. Ótimo virei stand up agora. — Quase toda mulher anda com uma cara fechada na rua e pra evitar ouvir babaquice.
— E funciona?
— Às vezes sim, às vezes temos que enterrar alguns no quintal, nada como um dia após o outro. — seu sorriso amplo ficou congelado por uma fração de segundos. Os dentes irritantemente brancos e alinhados, mas assim que nossos olhos se cravaram ele morreu gradualmente.
A atmosfera tinha mudado em segundos, o que estava acontecendo comigo? Eu estava atraída por ele ou era o álcool? Tinha acabado de dizer que ele não fazia meu tipo, o que estava rolando aqui Brasil?
Eu geralmente precisava conversar durante dias, até semanas antes de começar a sentir uma atração assim por alguém e aqui estava esse conhecido-desconhecido me olhando há menos de cinco minutos e eu sentia meu estômago se encher de borboletas.
— Então Maria...
— Eu preciso ir, pra casa, agora. — falei sem nem respirar já me afastando dele. — Só vou chamar um carro aqui.
Pesquei meu celular no bolso da calça em busca de um carro. O aplicativo rodou, rodou, recarregou e ninguém aceitava a corrida. Todos provavelmente estavam esperando que a rua ainda estivesse cheia de policiais. Merda!
— Não vão aceitar tão cedo. — sua voz soou as minhas costas e só então me dei conta que ele viu o celular sobre meu ombro. — Vamos, eu te levo.
Miguel estava sendo um doce, prestativo, engraçado, salvador. Eu precisava que ele fosse um chato de galochas, um ogro grosso como sua aparência mostrava. Porque não podia ser babaca?
— Eu nunca andei de moto. — sussurrei de repente parecendo tímida.
Talvez isso o fizesse desistir, afinal quem no Brasil nunca andou de moto gente? Se você disse eu bate aqui e vamos para o clubinho.
— Não acredito. — eu acenei confirmando diante de sua incredulidade. — Mais um motivo para te levar, você tem que descobrir o que está perdendo.
Porque a simples frase do homem fez eu me sentir fraca? Céus Maria suma já daí!
Imaginei que fossemos atravessar o bar, mas ele me levou pelos fundos onde apenas sua moto estava parada. Não fazia ideia que modelo era aquele ou quão foda ela era, mas era imponente.
Ele me ajudou a colocar o capacete e me explicou o que fazer. Era fácil, passar a perna paro o outro lado e segurar firme nele. Posicionei meus pés na marcação que me indicou e segurei em sua cintura. Sua proposta de "pode agarrar forte", me pareceu uma invenção sua só para que eu me esfregasse nele, mas assim que a moto ganhou vida e ele nos colocou para fora do estacionamento eu me movi para frente agarrando seu abdômen como se minha vida dependesse disso, porque na verdade dependia.
Durante o caminho eu quase consegui relaxar, vento batendo forte contra meu rosto, me arrepiando por inteiro enquanto ele acelerava apenas pra me deixar ainda mais angustiada.
Mas não podia negar que a adrenalina era uma delícia, especialmente quando ele fazia uma curva baixa e por alguns segundos eu sentia como se fossemos cair.
Assim que parou em frente a minha casa eu senti a falta repentina das costas largas e o calor emanando do seu corpo. Desci da moto me segurando nos seus ombros, deixei que ele retirasse o meu capacete. Seus dedos grossos tocando com cuidado a fivela em meu queixo antes de puxá-lo
da minha cabeça.
Com ele ainda na moto ficávamos quase da mesma altura, me possibilitando chegar mais perto.
A luz do poste iluminava apenas seus pelos dourados da barba, atraindo toda a atenção para sua boca, fui capaz de ver o momento que sua língua deslizou para fora, passeando pelo lábio superior. Me hipnotizando com aquele gesto.
Antes que pensasse mais lancei meu corpo para frente, as mãos agarrando seu rosto com rispidez e meus lábios atacando os seus.
Ele quase perdeu o equilíbrio, mas rapidamente me segurou pela cintura. Suas mãos me apertando, desenhando por minhas costas, subindo em direção a minha nuca. Me deixando tonta, não sei se pelo prazer de sentir sua exploração ou os lábios quentes contra os meus.
A barba grossa arranhou meu rosto quando o beijei mais duro, sentindo sua língua invadir minha boca a procura da minha. Gemi contra os seus lábios, estava entregue as mãos grandes e aos lábios experientes. E tudo que conseguia pensar era que queria mais, precisava de mais.
Mas assim que ele fez um movimento para se levantar voltei a mim, estava enlouquecendo!
Eu não fazia isso, não saia por ai beijando homens que não fazia meu tipo. Me afastei dele e corri para longe, sem lhe dar uma segunda olhada ou falar algo. Simplesmente corri como uma criança entrando em casa com rapidez.
Me encostei contra a porta depois de bate-la com força, meu coração estava impetuoso e eu sabia que não era resultado da corridinha da calçada até a porta e sim pelo beijo. Que beijo meu Deus. Toquei meus lábios sentindo a sensação dos seus lábios sobre os meus.
Inferno Maria pare de pensar nisso!