Prólogo
Bem-aventurados
os que choram,
pois serão consolados.
Mateus 5:4
Marina.
Consegui me esquivar furtivamente dos braços do Sam e segui em direção a porta, antes dele ir viajar resolvi preparar uma surpresa. Como sei que ele ama os pastéis da minha mãe, peguei a receita com ela e resolvi fritar seus deliciosos pastéis, não somente isso como vou preparar um delicioso bolo de chocolate com cascas de banana. Estranhamente tive vontade de comer algo doce logo cedo. Procurando rapidamente algo para me vestir, meus olhos capturaram instantaneamente o vestido de noiva que usei no dia do nosso casamento.
Foi sem dúvida um dos melhores dias da minha vida, meu sorriso entreabriu e tive uma ideia, que tal experimenta-lo?! Quem sabe sentir a sensação que tive ao me ver tão linda para meu esposo, também posso tirar algumas fotos e colocar na mala para o Samuel não esquecer da sua adorável esposa, longe de mim estar mandando algum tipo de sinal oculto de que ele é um homem casado. Sem pensar duas vezes apoderei-me do pacote e corri para o banheiro.
Com todo cuidado do mundo tirei o mesmo do plástico. O tecido estava tão macio e cheiroso como se nunca tivesse sido usado, comecei a me vestir e então percebi que ele começou a entrar com certa dificuldade. Como assim? O pano encolheu de tanto ficar guardado? Como isso é possível? Comecei a me contorcer como uma lagartixa com câimbra e com muito custo subiu. Porém, não acabou por aí! Eu não conseguia fechar o zíper, voltei a me contorcer me olhando pelo espelho tentando fecha-lo, o vestido subiu até a metade e enroscou, lembrei-me das caixas de ferramentas do Sam e agachei pegando no armário.
-Vamos Marina, é agora ou nunca! Certeza de que esse zíper está emperrado. - Respirei fundo e com o alicate mirei no espelho, contei até três e subi de uma única vez.
-Consegui! Eu consegui! - Sorri para mim mesma olhando o vestido fechado e quando meus olhos fixaram no alicate em minha mão direita o zíper estava entre seus dentes. Arregalei os olhos.
-Impossível... - Comecei a notar que meu vestido estava apertado demais e que fiquei sem ar -Meu Deus, eu vou morrer asfixiada -Joguei o alicate no chão e corri imediatamente em direção ao quarto. Samuel ainda dormia sereno esparramado na cama, comecei a bater nele com o travesseiro.
__Sam, me ajuda! Samuel, socorro! - Gritei apavorada tentando acordá-lo.
__Marina? Calma, o que foi? - Esfregou o rosto atordoado.
__Arranque esse vestido de mim agora! - Franziu a testa me olhando confuso.
__Você quer que arranque seu vestido? Eu tenho que viajar em poucos minutos amor - Deu um sorrisinho.
__Não nesse sentido - Nego piamente- Eu fui experimentar o vestido e quebrei o zíper olha - Aponto para minhas costas - Acho que o vestido encolheu de tanto ficar guardado - Falei manhosa.
__Ou você engordou - Comentou e girei o rosto em trezentos e sessenta graus.
__O que disse Samuel? - O olhei de forma desafiadora.
__O que? - Esbugalhou os olhos.
__Você me chamou de gorda? - Engoliu seco.
__Eu? Claro que não amor - Nega com a cabeça.
__Por acaso só porque engordei você vai deixar de me amar? - Minha voz saiu embargada.
__Não, claro que não. Eu te amo do mesmo jeito - Afirma apreensivo.
__Você não negou, admitiu que eu engordei - Bradei irritada e saí correndo do quarto segurando o vestido para não tropeçar, escutei Samuel me chamar e ignorei. Antes de me trancar no quartinho dos fundos roubei um pote de Nutella da geladeira. Tranquei a porta e me sentei no piso frio chorando enquanto saboreava o pote de Nutella, limpando as lágrimas. Ele nem veio atrás de mim imediatamente, o que me deixou cem vezes mais irada, minutos depois o escutei bater na porta.
__Marina, abra essa porta, precisamos conversar - Falou seriamente.
__Não. Você me chamou de gorda - Resmunguei chorosa.
__Você não está gorda - Respondeu - Apenas ganhou um pouquinho de peso nem dá para perceber, juro.
__Sei, não acredito. Então por que não quer me levar com você? Por acaso tem vergonha de mim? Porque estou gorda?
__Marina, chega de baboseiras e abra a porta. Logo tenho que viajar, temos poucas horas para ficarmos juntos - Como se um alarme tocasse na minha mente dando um choque de realidade, desajeitadamente destranco a porta e o abraço apertado.
__Não me deixe Sam, me leva com você - Imploro - Prometo me comportar, você nem vai notar que vou estar lá - Explico em tom de súplica e o escuto rir.
__Como se fosse possível, o furacão Marina não ser notado - Ele segura meu braço delicadamente me afastando - Olha para você, cheia de chocolate - Passa o polegar na minha bochecha, limpando e em seguida lambendo o dedo.
__Eu prometo que vou me comportar, Sam. Me leve para você, digo com você - Ele sorri de canto.
__Impossível, Marina. Você tem que cuidar da empresa enquanto eu estiver fora, esqueceu? E também, o que vou resolver lá é rápido. Voltarei para seus braços, eu prometo - Segura meu rosto entre as mãos. E sorri derretida.
__Você promete? Promete que vamos ter um jantar romântico e vamos ver as estrelas juntos? - Assentiu sorrindo.
__Até que não é ruim. Está bem, eu aceito - Falo convicta.
__Essa é minha garota - Beija minha testa - Agora vamos tirar esse vestido apertado, não quero que sufoque nosso filho - Rolo os olhos.
__Eu não estou grávida, Sam. Pare de me chamar de gorda - Falei e me abraça rindo alto.
__Sabe que existe uma possibilidade - Beija minha bochecha.
Samuel me ajuda a abrir o bendito vestido. Estou fuçando nas roupas do meu marido, quando alisa minhas costas eu me viro de repente, quase caindo para trás se não fosse o guarda-roupa.
__Aii que susto! Afaste de mim essa tentação - Bradei alto dando de cara com Samuel molhado apenas de calça jeans e sem camisa com a toalha no ombro.
__Você viu minha camiseta? - Pergunta e olho para ele tampando o rosto e espiando no buraco.
__Em cima da cama - Aponto por instinto, sem conseguir ver direito.
__O que houve? Por que está tampando o rosto? Não tem nada aqui que não tenha visto - Diz em um tom brincalhão.
__Eu queria perguntar se posso pegar uma das suas roupas, é mais confortável para poder cozinhar - Me justifico roboticamente tentando focar apenas no seu rosto.
__Claro, pegue. Mas primeiro, encontre minha camiseta - Repuxa os lábios me fitando sedutor com o braço apoiado no armário - Gostei desse detalhe do vestido, muito bom - Alisa minhas costas com o dorso da mão.
__Sam! Você não facilita as coisas - O reprendo e passo por baixo dele indo para o outro lado do quarto. Pego a camiseta em cima da cama, o olhando de relance de baixo para cima, que belo homem o Senhor me presenteaste. Pego a camiseta e jogo para ele que agarra no ar.
__Obrigado - Pisca, soltando a toalha na cama.
__Samuel, espera. A toalha molhada na cama, pode pegar. Quantas vezes tenho que repetir a mesma coisa - Aponto brava e me imita fazendo careta indo em direção a porta.
__Claro madame - Sorri amarelo e o fuzilo com o olhar.
-Olha para você! Que mulher tarada se tornou.
-Não, eu não fiquei o secando. E se fiquei, ele é meu marido, não é?! O que tem de errado?
-Não seja assim, se comporte. Esse homem vai viajar e você tem que ser forte.
-Dessa vez você tem razão. Agora saia da minha mente já! Você só me confunde - Choramingo - Volte para realidade Marina - Dou batidinhas nas minhas bochechas.
__Falando sozinha de novo Marina?! - O escuto gritar e ignoro.
Me troco, vou para cozinha e começo a fazer o café da manhã. Faço o bolo de chocolate com cascas de banana, resolvo por baunilha, chantili etc. Começo a fritar os pasteis, cantarolando. Minha mãe disse que tem que esperar ficar dourado, ergo com a espumadeira analisando.
__Que cheiro bom é esse? Acho que meu estomago está roncando - Sam me abraça e sorri.
__Os pastéis da minha mãe. Vão ficar deliciosos, olha - Sorri abertamente apontando para frigideira.
__Mal posso esperar - Ele aspira o cheiro, se afastando - Eu poderia te ajudar, mas hoje prefiro comer. Estou com fome - Esfrega a barriga e senta-se à mesa - Já está dourado, pode tirar - Avisa sorrindo e assenti.
Sirvo o Samuel e me sento ao seu lado apoiando a mão no queixo o olhando hipnotizada, o apreciando comer os pasteis.
__Está bom? - Pergunto jogando charme.
-Hmm. Sim, muito bom, exceto o fato de estar muito temperado - Murmura.
__Que bom que gostou. Sorri.
__Espera, estou sentindo um cheiro estranho, por acaso tem algo queimando? - Pergunta confuso e escancaro os olhos.
__O Bolo! - Brado e me viro para o fogão.
__Bolo? Você fez um bolo? - Samuel pergunta enquanto abro a gaveta procurando as luvas, afobada -Deixa que eu pego, não quero que se queime - Puxa as luvas da minha mão e mordo o lábio inferior, envergonhada - Samuel abre o forno com cuidado enquanto abano com a tampa para tirar a fumaça preta que toma conta do local. Ele coloca a assadeira na pia rapidamente, tira as luvas e ambos encaramos o bolo, em seguida olhamos um para o outro.
__Parece que passou um pouco do ponto, não acha? - Questiona sério.
__Você acha? Eu fiz com tanto carinho - Falo prestes a chorar novamente.
__Quero dizer, essa parte está um pouquinho escura, mas olha essa outra até que está boa. Nem parece queimada, quem dá importância para a aparência, não é?! Vamos ver o gosto dessa coisa - Ele disse pegando uma colher e tirando um pedaço, o comendo.
__Cuidado está quente - Digo atrasada quando ele geme de dor.
__É o sabor que importa, e isso está muito, muito doce. Hmm casca de banana, bem peculiar. É assim que você gosta né?
__Sim, eu amo doce - Sorri sem graça, porque sei que deve estar horrível e Sam só está tentando me agradar porque estou emotiva.
__Semente de melancia? - Ele tira nas pontas dos dedos mostrando e assopra as demais. Sorri amarelo - O que mais colocou nesse bolo? - Pergunta sério.
__Quer água? Deve estar com sede - Disfarço me desviando do seu olhar julgador.
__Marina, espera - Samuel agarra minha mão.
__O que? - Me viro preocupada.
__Você é péssima fazendo doces, mas está exagerando. Está errando em quase tudo que cozinha, colocando ingredientes estranhos. Não se sinta ofendida, mas eu te conheço mais que você mesma e posso jurar que está gravida, você não tem tomado os remédios adequadamente, é uma possibilidade e mesmo que te assuste tem que encarar a realidade.
__Sam - Engulo seco.
__Toma - Tira um embrulho do bolso e me entrega- eu comprei isso, pode fazer o teste depois que eu ir viajar. Não tenha pressa, apenas faça quando se sentir à vontade
Dessa vez eu sabia que não poderia escapar. Grávida? Eu? Meu Deus, não sei cuidar nem de mim, como vou cuidar de uma criança?
(...)
Samuel iria me deixar na empresa antes de pegar o voo, me aprontei e fiquei aguardando no quarto usando minha última tentativa de fazer me levar junto com ele. Sento-me em cima da mala com um enorme laço vermelho amarrado na cabeça. Samuel entra no quarto de óculos escuros e jaqueta de couro.
__Marina, o que está fazendo? - Me olha curioso.
__É um presente para você, pode levar, é todo seu - Retruco firme, ele curva os lábios e caminha até mim sorrindo, Sam abaixa os óculos me fitando intensamente.
__É o presente mais lindo que já recebi - Ele desfaz o nó sorrindo e o miro abobalhada __Só que minha resposta continua sendo "não". Você não vai comigo Marina, não insista - Segura meu queixo e como um ato de desespero pulo no seu colo entrelaçando as pernas em volta dele.
__Me leva, eu quero ir, por favor Sam. Se você me ama vai me levar junto - Imploro agarrada no seu pescoço, enquanto Samuel tenta me segurar para eu não cair.
__Marina larga de ser teimosa, é claro que eu te amo - Alisa meu cabelo enquanto me carrega no seu colo até a saída da casa, indo em direção a caminhonete. Ele abre a porta e me coloca no banco e cruzo os braços emburrada.
__Estou vendo como me ama, me abandonando sozinha - Minha voz sai melancólica.
__É só alguns dias, eu vou voltar está bem? - Ele segura a lateral do meu rosto me fitando profundamente e meu coração se aperta novamente.
__Você promete Sam? Eu posso estar grávida e não pode me deixar sozinha com seu filho, ele não pode crescer sem um pai e uma mãe louca como eu - Ele abre um sorriso terno que não consigo acompanhar.
__Prometo, eu voltarei para vocês dois - Sam pousa a mão sobre meu ventre e cola nossos lábios em um beijo cheio de ternura e paixão, com esse beijo veio uma angústia repentina pairando sobre meu peito e tomando todo o ar dos meus pulmões. Talvez eu já estivesse pressentindo o que aconteceria dias depois.
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O céu tinha amanhecido nublado e sem brilho, havia uma melancolia solta pelo ar, sem contar que faziam três dias que tentava entrar em contato com Samuel e nada. Contudo, Alex me informou que onde Sam foi era difícil ter sinal, o que pareceu aquietar meu coração por um momento. Continuei orando e pedindo para que Deus tirasse aquele sentimento ruim do meu coração. Vesti meu sobretudo e peguei o carro indo para empresa, sim eu tirei carteira de motorista por incrível que pareça, reprovei três vezes, mas isso é um pequeno detalhe.
Tirei a chave do contato e entrei na empresa, atravessando as portas de vidro. Foi quando percebi que o clima estava diferente, todos olhavam atenciosamente para algo que passava na TV de LED pendurada na parede, assim que notaram minha presença, Sandra cutucou Natan que pegou o controle de forma atrapalhada e desligou-a repentinamente.
__Good moorning a todos - Cumprimentei sem muito ânimo.
__Bom dia Marina - Responderam em uníssono. Estudei a expressão de cada um, eles estavam forçando um sorriso, no entanto existia uma ruga de preocupação em cada uma das suas faces.
__É impressão minha ou desligaram a TV assim que cheguei?
__Que isso, é só impressão - Erick riu, nervoso.
__Pois, eu acho que não, Natan me dê o controle - Estendo a mão.
__Marina, é melhor não - Me mirou com pesar.
__É uma ordem, Natan - Tento parecer firme e Sandra acena.
__Está bem, a escolha é sua... - Me entrega o objeto e aperto o botão olhando para TV no meio da empresa. O monitor acendeu, estava noticiando um acidente aéreo de um avião de porte pequeno que tinha se chocado com uma montanha no meio da floresta, causando uma explosão deixando assim possíveis vítimas fatais e entre elas estava quem eu menos esperava. Tudo começou a girar em câmera lenta e minha audição começou a ficar confusa, enquanto o nome do piloto e do Samuel apareciam no canto do monitor.
__O que está acontecendo aqui? Meu Deus, Marina! - A voz do Dylan soou distante, minhas pernas perderam a força e fui amparada pelos seus braços enquanto meu mundo começava a desabar.
__Ele prometeu Dylan, por que ele me enganou? Me disse que voltaria... - Meus olhos embaçam enquanto olho perdida dentro dos seus olhos azuis lacrimejados.
__Marina, por favor não fique assim. Eu não vou suportar te ver dessa forma, você tem que ser forte - Nego com a cabeça. Como eu poderia ser forte? Eu não posso perder o amor da minha vida, tem que ser um engano, Samuel não está morto. Começo a perder os sentidos e tudo se transforma em um mar de escuridão.