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A fêmea,após chegar em casa e tomar um banho quente, esquentou um guisado de legumes com carne seca de alce e comeu esfomeada. O bom, do inverno rigoroso daquela área é que as comidas não estragavam. Quando a jovem mulher pensou que iria descansar, bateram à porta. Só uma pessoa ousa ir até ali em pleno inverno e essa pessoa deveria estar hibernando.
-O que foi grandão? - Perguntei abrindo a porta.
-Oi Ava, vim ver como você está, Blanca ficou preocupada quando viu fumaça no meio da floresta - explicou Uchoa, seu amigo.
-Entre Uchôa, quer uma bebida quente? - Ela convidou.
-Não Ava, preciso voltar logo, minha Blanca está perto de ter os filhotes e eu preciso estar por perto - tá explicado porque ele não está hibernando - Ela mandou isso para você, estava quente mas acho que já esfriou - ele passa uma sacola térmica para ela, contendo um pote de sopa.
-Agradeça a ela por mim. A fumaça que viram, foi no acampamento dos caçadores, finalmente acabei com eles. Só que lobos chegaram no local, antes que eu pudesse fazer alguma coisa e atearam fogo em tudo. Aliás, trouxe algo para você - entrou e pegou o casaco e as botas e estendeu a ele - é pele sintética, vai precisar lavar, mas quebrará o galho neste inverno.
-Puxa Ava, obrigada, estou precisando mesmo, com esses caçadores por aqui, ficou difícil sair para trabalhar. Vou contar para Blanca o que aconteceu, ela ficará mais tranquila sem cacadores rondando por aqui. Vou indo. - Beijou a bochecha de Ava e se foi.
-Obrigada grandão - ela gritou e entrou fechando a porta, pois estava muito frio.
Deixou o pote que Blanca mandou, provavelmente era mais sopa, sobre a mesa. Pôs mais lenha no fogo, o dia estava amanhecendo, então ela conseguiu, finalmente, deitar, se cobrir e dormir o sono de quem cumpriu seu dever.
***
Na Alcateia, com os rapazes limpos e alimentados, o Alfa escutava a história sobre tudo o que aconteceu.
-Quer dizer que vocês chegar lá e alguém tinha acabado de exterminar os caçadores? Chegaram a sentir o cheiro do matador? - Perguntou o Alfa, de nome Zoren.
-Durante todo o tempo em que rastreamos o grupo, sentimos o cheiro de uma fêmea. Mas quando chegamos lá, apesar do cheiro dela estar presente, não vimos rastros dela - contou Alan, o beta, lider do grupo.
-O estranho Alfa é que o cheiro me pareceu familiar, mas não lembro de quem possa ser. - falou Demétrio, o melhor farejador da Alcateia.
-Então era uma de nós? - Quis confirmar o Alfa.
-Sim era uma loba, sem dúvidas. - Confirmou Demétrio.
-Vocês têm certeza que não tinha rastro dela? E as flechas que mataram os homens, sentiram algum cheiro nelas? - O Alfa continuou o questionamento.
Um olhou para o outro e o mais novo deles confessou:
-Desculpe Alfa Zor, nós nem pensamos nisso. - passou a mão na cabeça, coçando a palma e fazendo careta.
-Tá tudo bem pessoal, vão descansar, com a cabeça fresca, talvez vocês lembrem mais alguma coisa. - Liberou-os o Alfa.
-Ah, lembrei de algo Alfa, - aquele que não tinha falado nada até então, se pronunciou. - notei que não havia nenhuma pegada de lobo no local, nem mesmo da fêmea.
-Interessante, então a fêmea não se transformou em nenhum momento e não estava lá quando chegaram - o Alfa coçou a barba rala, pensando - talvez ela não pudesse se transformar, porque carregasse consigo uma besta.
Todos olharam para ele, surpresos. Não havia passado pela cabeça deles que a fêmea pudesse estar atrás dos caçadores, assim como eles. Nesse caso, ela percebeu que eles estavam chegando e saiu rápido do local, sem levar nada. No caso então, os despojos dos caçadores, deveria ser dela.
Eram muitas coisas para pensar e analisar e a mente dos rapazes estava cansada. O Alfa percebendo isso, os dispensou para que fossem descansar e também foi para sua casa. Ele passara vários dias preocupado com eles no frio e a mercê dos caçadores e também se preocupava com as crianças que estavam com a alimentação escassa, mas eles chegaram bem e com leite para alimentar as crianças. Agora podia descansar um pouco.
**
Todos dormiram até o entardecer, coisa normal para os lobos, que são animais noturnos. Porém, no momento, foi pelo cansaço mesmo, pois o mundo humano funciona de dia e a Alcateia têm negócios com os humanos. Fornecem serviços de vigilância e limpeza de neve com seus caminhões, alguns trabalham nas lojas da cidade mais próxima.
A Alcateia fica afastada cerca de uma hora e meia de carro. Uma estrada asfaltada, corta a floresta, permitindo o transporte de pessoas e materiais. Infelizmente, também de caçadores. O que fazia Zairon lembrar que precisava avisar ao delegado, sobre os caçadores. O delegado também era um shifter, só que de um urso.
A aldeia dos Zagaias, como se denominavam a centenas de anos, parecia uma pequena cidade. Quem chegasse de carro, entrava por uma rua central, contendo casas e lojas, assim como uma pequena delegacia, uma loja mecânica e uma clínica médica. Havia uma escola para as crianças, mais afastada e os adolescentes iam estudar na cidade maior.
Os telhados das casas eram altos e bem íngremes, para facilitar o cair da neve. Pintados de vermelho, se destacavam em meio a neve branca. Cercada por uma vasta floresta, tinham o ambiente perfeito para lobos brancos poderem correr e caçar e um rio caudaloso, próximo, fornecia água que chegava à Aldeia através de tubulação subterrânea.
Zairon havia investido muito em uma engrenagem moderna para aquecimento da água e proteção da tubulação, para que a água não congelasse antes de chegar a Aldeia. Também tinham dois geradores potentes, fornecendo eletricidade para todos. Uma represa estava sendo construída um distante dali, mas o governador do Estado prometera que em breve teriam luz direta, mas Zairon pensava na energia sustentável, mas com a escassez de alimentos, teve que esperar ter capital para investir.
Lobos vivem de caça e se não houver, podem definhar e morrer. Os caçadores clandestinos, embora não soubessem, fizeram um estrago na fauna local e na vida dos shifters.
Zairon se alongou ao levantar e se cuidou como toda manhã, olhando seu rosto no espelho, resolveu aparar a barba que já estava disforme. Ligou o aparelho na tomada e um estalo apagou a luz de toda a casa, puxou o fio, removendo o aparelho. Passou a mão na cabeça e foi olhar os disjuntores para ver se desarmou algum. Realmente, religou e a energia voltou, teria que trocar aquela tomada.
Usou a tomada da cozinha e enquanto passava o barbeador no rosto, preparou a cafeteira para ir passando o café. Separou ovos e bacon e terminou de aparar a barba, desligando o aparelho. Olhou para o chão e estava salpicado de pontas de barba. Essa era a vantagem de não ter uma companheira, ninguém para reclamar da bagunça que estava fazendo.