Saudade de você!
"Sinto sua falta de uma maneira que as palavras não podem expressar."
Gemma Troy
- De volta para casa, sãos e salvos.
-Muito obrigado Sr. Venzon.
- Que formal. Você me faz sentir como seu avô. -Basta uma piscadela e um sorriso para que a tarde seja o prelúdio de uma noite maravilhosa.
-Ok Artur, muito obrigado.
-Sempre ao seu comando Anna.
Anna sai do carro. Ele espera até que ela entre. Da porta da pensão ela se despede dele. Elq vai para o quarto, se despe, toma um banho quente, uma xícara de chá e o livro que deve terminar de ler para criar sua obra musical. Depois faz algumas anotações em seu caderno, um bocejo lhe escapa, ele põe o livro de lado, na mesinha de cabeceira. Ela se acomoda na cama e dorme até o amanhecer. Acorde com o brilho da luz que se esgueira pela fresta da janela.
Anna acorda, se espreguiça e olha as horas no relógio. Ainda é cedo. Os sábados são dias de descanso para ela por causa da agitação da semana, mas ela não trabalhava há dois dias. O que ela faria se acordasse? Eu não tinha nada de especial para fazer. Era melhor deitar ou trabalhar em sua peça. Apesar de usar um App que servia de piano, não era a mesma coisa.
Sua intenção era economizar o que receberia das horas de aula para comprar um teclado, mas seus planos mudaram drasticamente. O que ela ia receber pelas aulas mal cobria o aluguel e a alimentação, era uma despesa que não tinha previsto porque tomava café da manhã e almoçava no restaurante.
Pensando nisso, lembrou que tinha que sair e comprar alguma coisa para o almoço, além de avisar a dona Cira que agora tinha que usar a cozinha. Vestiu uma flanela, uma minissaia jeans, tênis e o casaco para o frio. Ele saiu e foi ao supermercado que ficava a alguns quarteirões de distância.
Ele estava no corredor de vegetais quando ouviu a voz de Otto.
-Espinafre é bom como fonte de vitaminas -Anna levanta o rosto, sorri para ele por não ser grosseiro- Como tem passado? ele pergunta.
-Genial e você?
-Ok, compras. Assim como você, eu acho.
-Sim, algo assim -Anna continua sua jornada sem dar muita atenção ao seu ex-colega de conservatório.
Anna está distraída com suas compras. Ela cruza para o próximo corredor e desta vez na frente dela, Otto mostrando seu sorriso gentil
-Anna queria saber se você gostaria -Otto fica em silêncio, Anna olha para ele esperando o que ele ia dizer- Gostaria de me acompanhar para um passeio hoje?
Apesar de Anna não ser de sair muito, ela sente certa compaixão pelo menino. Talvez tenha sido um tanto injusto com ele que, desde o início, tenta se dar bem com ela.
Vendo que ela não responde, Otto põe a mão no bolso e se prepara para sair.
"Não se preocupe com isso," Anna o interrompe antes que ele termine a frase.
-Sim eu quero.
-O que você disse? ele pergunta surpreso.
-Eu disse que sim, tudo bem.
Otto sorri animadamente como quando a conheceu pela primeira vez no ônibus.
- Vou procurar sua casa?
-Sim está bem. Eu te mando a localização.
-Bem, eu vou buscá-lo, em um par de horas.
Anna paga suas compras e volta para seu quarto. Otto não parecia ser um bad boy, afinal ele gostava de música tanto quanto ela, eles podiam conversar sobre isso e sobre literatura. Por que não se dar a oportunidade de conhecê-lo e tratá-lo? Talvez eles se tornassem bons amigos.
Otto, por outro lado, está tão feliz com a aprovação de Anna que ainda parece não acreditar. Ele chega em casa, sua mãe está sentada em sua cadeira de rodas esperando por ele.
- Filho, você demorou. Você trouxe tudo que eu pedi?
-Eu não sou o único que faz o mercado, mãe, e sim, eu trouxe o que você pediu. Vou preparar o almoço para você agora para deixar tudo pronto para você. Tenho um encontro.
-Sério filho?
-Você duvida que alguém queira sair comigo, certo?
- Não filho, não é isso. Fico feliz em saber que você tem alguém com quem sair, eu a conheço?
-Não, você não a conhece e acho que também não a trouxe aqui.
-Você tem vergonha da sua mãe!
-Não mãe, só não quero que ele saiba dessa parte obscura da minha vida.
Amelia se sente tão triste com o que seu filho acabou de lhe contar. Desde que Jhon destruiu suas vidas, Otto deixou de ser o menino gentil e amoroso que era. Agora ele havia se tornado um jovem hostil e mal-humorado.
*** Flashback
-Onde você vai a esta hora e vestida tão sensualmente, Amelia? pergunta Jhon, visivelmente chateado.
-Vamos Jhon, você vai começar com suas alucinações. Vou trabalhar.
"Nenhuma mulher decente trabalha a essas horas", repreendeu-a o sexagenário, vinte anos mais velho que ela.
-Sou enfermeira ou esquece que te conheci no meio do campo de batalha.
-Certamente você fará o mesmo que comigo, me seduzirá e depois me deixará por outro.
-Está demente! -Amélia sai de casa.
Jhon havia sido soldado na guerra do Irã e do Iraque; ele havia sido voluntário nas fileiras iraquianas. No ano passado, em 1988, ele foi baleado na perna, pelo qual teve que ser tratado em uma tenda e depois transferido para um hospital, onde perdeu a perna devido a uma gangrena. Lá ele conheceu Amelia, uma linda loira de vinte anos, que acabara de se formar como enfermeira. Desde que o viu, ela se apaixonou por ele, apesar de sua condição física e de ser quinze anos mais velho que ela. Mesmo assim eles decidiram se casar um ano depois e morar juntos, daí nasceu Otto.
Jhon começou a sofrer alucinações em decorrência do estresse pós-traumático que costuma deixar consequências terríveis nos sobreviventes de uma guerra. Naquela noite, após a discussão com Amelia, ele pegou a arma que guardava e a carregou. Otto tinha oito anos na época, estava dormindo em seu quarto quando ouviu alguns tiros e correu para a sala. Ele viu sua mãe deitada no chão e seu pai olhando para ela, certo de que a havia matado.
Os gritos do menino assustaram os vizinhos que correram para socorrê-lo, constatando a cena macabra. Chamaram a polícia e o prenderam. Um dos vizinhos verificou o corpo de Amelia, viu que ela ainda respirava e ligou para o 911 enquanto a equipe de homicídios chegava para recolher o corpo. Por sorte os disparos não atingiram órgãos vitais, mas um deles se alojou na coluna, deixando-a incapacitada.
Desde então, Otto teve que sustentar sua mãe e quando completou quinze anos decidiu entrar no Conservatório Hoch, onde viu Anna pela primeira vez e se apaixonou perdidamente por ela.
***
Sai arrumado e perfumado. Ao vê-lo, Amelia sorri, ele é tão atraente quanto o pai dela quando era jovem.
-Você parece muito bem filho.
-Sim, imagino que você diga isso para me fazer sentir bem.
-Você está errado, eu digo isso porque você parece bem. Boa sorte no seu encontro.
-Ja para. Não é a porra de um encontro.
Amelia não pode deixar de desmoronar. Otto a observa, balança a cabeça de um lado para o outro em desaprovação ao choro da mãe.
Minutos depois, o táxi para, Anna sai da pensão. Ela caminha em direção ao carro, Otto sai para encontrá-la, beija-a na bochecha, ela entra e ele a segue.
A poucos metros, Arthur se aproxima em seu carro. Ele vê Anna entrar ao lado daquele menino. Ele se sente um tolo. Era lógico que uma garota tão bonita quanto ela tivesse um pretendente. Ele tinha vontade de vê-la, sentia muita falta dela; Ele dirigiu até lá para surpreendê-la. E acabou sendo o único surpreso. Ele pega a caixa de bombons, sai do carro e joga na lata de lixo.
Eles chegam ao restaurante que Otto escolheu para almoçar, Anna sai do carro. Ele lhe oferece o braço, e ela joga junto, passando o braço em volta dele.
O estalajadeiro os recebe, acompanha-os a uma das poucas mesas que restam disponíveis. Ele oferece a Anna um assento puxando a cadeira com cuidado. Ela se senta. Enquanto o garçom lhe traz o cardápio, Otto não consegue deixar de dizer à companheira como ela é linda.
-Você está muito bonita, Anna!
-Obrigado, você também está muito bem.
-Senti falta de não te ver ontem.
Anna olha para ele pensativa, vê-la onde ou por quê?
-Quero dizer o ônibus, peguei o ônibus da tarde mas não te vi.
-Ah ok! Pare de trabalhar no restaurante.
-E assim?
-A verdade é que meu chefe me demitiu.
-Sinto muito. Se quiser, posso perguntar no armazém onde trabalho? Talvez eu consiga algo para você.
-Claro, isso seria ótimo. Preciso arrumar outro emprego logo.
Depois que Anna se deu a oportunidade de conhecer um pouco Otto, ficou satisfeita com a conversa durante o almoço, música, literatura e arte, foi interessante compartilhar gostos parecidos com alguém.
Enquanto isso, Arthur em seu quarto, tentando tirar a imagem de Anna de sua cabeça. Como ele poderia sentir falta dela se mal havia compartilhado com ela, breves momentos? Ele não era mais um jovem para se sentir assim. Ele estava ansioso pelo início da semana, mas também estava com ciúmes daquele menino.
Embora Arthur não esperasse vivenciar o que estava sentindo, sua vida começava a se complicar toda vez que Anna entrava em seus pensamentos. Acabou suspirando fundo e murmurando:
-Saudade de você!
