Capítulo 8
“Por favor, chega dessa história de manutenção gratuita!” respondo instantaneamente, pegando minha carteira.
- Não vou levá-los, Sherli. “Tchau, boa noite!” ele diz com um sorriso, me deixando com a mão segurando uma moeda de cinquenta no ar.
“Vamos, Figaro, isso é para o trabalho”, tento dizer, mas não tem como.
-Faço isso com muito prazer.-
-Eu te odeio.-
A abertura da porta nos interrompe. Uma garota com longos cabelos loiros entra cautelosamente na loja, olhando em volta com os olhos arregalados. Primeira vez em Figaro, provavelmente.
“Boa noite, linda empregada, em que posso ajudar?” Fígaro lhe dá um sorriso acolhedor, que ela retribui.
“Eu deveria comprar um violino para iniciantes, sabe, para um curso escolar”, diz ele. Não sei por que, mas há algo familiar nisso. As características faciais, o formato dos olhos... Acho que já vi isso em algum lugar. Ela me olha de forma estranha, provavelmente porque estou olhando para ela com as sobrancelhas franzidas e uma expressão pensativa no rosto, então paro instantaneamente.
-Que escola você frequenta, querida?- Figaro pergunta a ela, cursando o Forenza FA.
-Silverhood High.- Aperto meus ouvidos ao ouvir esse nome e enrijeço quando a máscara que uso dentro daquele lugar imediatamente é costurada em meu rosto. Nunca a vi nesses quatro anos e, de alguma forma, conheço todo mundo, então ela deve necessariamente ser uma estudante do primeiro ano, mesmo que pareça ter muito mais de quatorze anos. Porém, existe aquela semelhança que continua me preocupando...
-Ah! Não é essa a escola que você frequenta também, Sherli? - Figaro me pergunta surpreso. Se antes ela era completamente excluída da conversa tanto verbal quanto fisicamente, agora ela parece ter aparecido magicamente entre eles. Eu engulo. Não gosto que pessoas que me conhecem como Sherli, a menina rica mimada e popular, frequentem os espaços de onde venho.
"Sim", respondo secamente.
A garota me olha com curiosidade, consigo distinguir a cor azul dos olhos dela por estar perto. E há algo nessas íris que já vi em outros lugares. Aperto a maleta em minhas mãos.
-Sherli Leroy, certo?- ele me pergunta, mas em seus olhos só vejo curiosidade, nenhum tipo de preconceito. Eu concordo. -Eu vi você no refeitório com o time de futebol e as líderes de torcida.- Não parece um julgamento, mas simplesmente uma observação.
"Estou na torcida", digo simplesmente, minha voz firme e confiante. É incrível como reclamamos dos rótulos que nos dão, quando não fazemos nada além de fazer o mesmo conosco mesmos.
-Eu gostaria muito de entrar para o time!- ela exclama encantada. Eu levanto minhas sobrancelhas. Isso é estranho, na verdade não. Eu não deveria me surpreender: no grupo popular, a pessoa quer absolutamente evitar entrar nele, ou se joga nele a todo custo.
-Você tem que falar com Courtney Dean, ela é a capitã, ela vai fazer um teste para você ser líder de torcida- eu explico.
-Espere: eu adoraria entrar no time, mas meu irmão não concorda. Ele diz que o mundo não é para mim. “Descubra o que isso significa!” ele exclama, revirando os olhos com os braços cruzados sobre o peito. Irmão? Isso pode ser uma pista.
-Quem é seu irmão? -
-Allen James, você o conhece? -
Quase tive um ataque cardíaco. Allen tem uma irmã? Claro! O formato dos olhos, os traços faciais, a fala... são todos iguais. Eu gostaria de me dar um tapa por não ter chegado lá antes. Não só me falta sensibilidade artística e ouvido musical, ao que parece, mas também memória fisionomística e um pouco de lógica.
Não sei por que, mas saber que essa garota é irmã dele me faz baixar um pouco a guarda.
-Sim, nos conhecemos de vista, bem- apesar de tudo sou muito cauteloso, pois se minha “amizade” com Allen viesse à tona, e portanto chegasse à minha mãe, eu poderia dizer adeus ao futuro frágil que tenho. estou construindo paralelamente ao que ela quer para mim. E não posso permitir isso. Sei que a solução mais fácil seria fingir que os encontros com Allen nunca aconteceram, mas se há uma coisa que me faltou ao longo da vida foi o calor humano. O calor humano de um contemporâneo meu, acima de tudo. Porque tenho um bom relacionamento com Figaro, Lauren e meu professor de violino, mas nunca tive um amigo de verdade, e Allen é o mais próximo, embora não tenha vontade de rotular o que há entre nós. É verdade e não precisa ser rotulado. O que é falso é rotulado. A “turma popular”, as torcedoras, os jogadores de futebol, os nerds, toda essa merda. É fácil dividir as pessoas em grupos e excluí-las de qualquer maneira.
-Ah- ele comenta com uma expressão estranha. “De qualquer forma, meu nome é Amy.”
Aperto a mão que ele me oferece. -Prazer em conhecê-lo.-
-E eu sou Figaro.- Quase pulei quando a voz dele estourou a bolha em que Amy e eu estávamos. Esqueci que estava aqui.
"É um prazer, Figaro", ele sorri. Ela é muito bonita, bem, ela é irmã de Allen. Esse pensamento me impressiona, mas basicamente não é nada falso. Allen é objetivamente um cara muito legal.
Figaro explica tudo o que há para saber sobre o violino: os materiais, os componentes e também um pouco sobre as notas e partituras. Minha cabeça está do outro lado e me pergunto por que ainda não estou no carro a caminho de casa. Finalmente me recupero e interrompo o monólogo de Figaro sobre como é importante ter um luthier de confiança, só para garantir. -Vou para casa, tenho aula, até mais Figaro. Olá Amy, foi um prazer.-
-Olá Cherie, por favor, tenha sempre em mente o que eu te disse. Boa noite.- Figaro ajeita os óculos e sorri para mim. Devolvo o sorriso.
-Olá, Sherli, espero ver você novamente na escola!- Amy me dá um sorriso radiante que ilumina todo o seu rosto. Ela é muito mais que “bonita”, me corrijo. Seu sorriso me deixa com um humor estranhamente bom e entro feliz no carro, mas só de pensar no próximo jantar com minha família, uma sombra escura aparece, me envolvendo completamente.