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Continua Capítulo 1... /4

Parte 4...

Isabella

— Posso entrar?

Olhei para trás, Susan tinha colocado a cabeça para dentro de meu quarto. Passava pouco mais de dez horas. Achei estranho que ela estivesse ali.

— Claro que pode, professora.

Ela entrou e fechou a porta devagar, depois sentou em minha cama, perto de mim. Parecia um pouco ansiosa.

— Não consegue dormir? – eu fiz que não com a cabeça — Imagino... Eu também não e por sua culpa.

— Por minha culpa? – franzi os olhos — O que eu fiz?

Eu não me recordava de ter feito algo de errado. Era bem difícil, aliás, que eu fizesse algo que fosse considerado errado. Tendo crescido aqui entre essas paredes, eu havia criado o comportamento mais calmo, mais brando. Sentei.

— Isabella... – ela respirou fundo — Eu sei que todos esses anos em que você está aqui, na verdade eu trabalhei para a família Ricci, vigiando você, lhes passando informações de seus dias aqui dentro.

Eu fiz que sim com a cabeça. Houve uma época em que isso me deixou triste, depois revoltada e com raiva. Não tinha minha família, estava prometida a um homem que vivia com liberdade, enquanto eu era mantida presa e ainda era observada de perto por pessoas pagas para isso.

— Eu peço de todo coração, que você me perdoe.

Ela parecia estar arrependida mesmo e senti que sua voz estava chorosa.

— Aconteceu algo, Susan? – me preocupei. Apesar de tudo, eu gosto muito dela — Você me parece triste.

— E estou mesmo... Por não ter tomado uma atitude antes – ela pegou minha mão — Isso não é certo, você nunca teve a chance de ter uma vida escolhida por você mesma, por seus gostos e vontades.

Isso era verdade. Eu sabia do mundo lá fora pela televisão, pela internet e por algumas amigas internas que saíam para ver as famílias e voltavam cheias de novidades. Mas até isso era pouco.

Não podemos ver televisão sozinhas e nem até tarde. A internet é coletiva, em uma sala da biblioteca e também tem uso restrito. Não temos celulares, apenas as professoras e algumas das irmãs, mas nunca nos permitiram usar.

Era uma vida dura para uma jovem e eu comecei muito cedo, o que me causou um pouco de mágoa de meus pais. Minha mãe nunca veio me ver, mas eu me recordo que ela chorava quando saí de casa para ser trazida para cá.

Meu pai ficou aqui comigo uma semana, organizando tudo. Depois foi embora e me disse que eu ficaria aqui porque era a vontade de Deus. Durante muito tempo eu achava isso, mas hoje sei que nada tem a ver com Deus e sim com o desejo de poder e a ganância dos homens.

Eu nunca fui tratada como uma pessoa e sim como um brinquedo. Primeiro para meus pais e agora que vou me casar, serei um brinquedo na mão de Enzo Ricci, que nunca teve nem a decência de vir me visitar uma única vez.

Ao invés disso, ele mandou três mulheres para ficarem de olho em mim. As professoras Susan e Melody e a irmã Lúcia.

Eu gosto delas, aprendi a gostar. Depois que descobri que na verdade estavam aqui para tomar conta de mim, me senti traída mais uma vez e chorei muito, mas depois isso passou. Eu entendo que esse é o trabalho delas e sempre foram muito carinhosas comigo. De nada me adiantaria ser ruim com elas.

— Isso é verdade, Susan – cruzei as pernas em cima da cama — Eu não queria ter tido essa vida, não pude escolher nada do que aconteceu... E se eu pudesse, não me casaria – abaixei a cabeça — Não quero me casar e não consigo dormir pensando nisso. A cada dia que passa, fico mais nervosa.

Ouvimos vozes no corredor e Susan colocou o dedo nos lábios, me dizendo para ficar calada. Esperamos as vozes passarem e se distanciarem.

— Isabella... Eu preciso que me perdoe – ela apertou minha mão.

— Sim, claro – fiquei com pena dela, parecia angustiada — Não se preocupe, eu entendo que você tinha que me vigiar, é o seu trabalho.

Ela quase chorou. Me abraçou forte e me segurou um tempo assim. Achei estranho aquilo e até senti um pouco de medo. Me preocupei se algo de ruim teria acontecido.

— Por que está assim, professora? Aconteceu algo de ruim que vai me prejudicar? – abri mais os olhos — Foi algo com meus pais, é isso?

— Não, não, querida... Seus pais estão bem, não é nada com eles – ela levantou e andou na ponta dos pés até a porta, colocando o ouvido na madeira e depois voltou, se ajoelhando na minha frente — Escute, eu tenho um plano que pode ajudar você, mas preciso saber se realmente deseja se livrar desse casamento.

— Sim, quero muito – me ajeitei na cama, me inclinando sobre ela — Eu não conheço nada lá fora, nunca tive amigas fora daqui, nunca tive contato com outros rapazes... Eu nunca vivi de verdade, professora.

Meu coração começou a bater mais forte.

— Escute bem... Eu posso te ajudar a fugir desse destino, mas você precisa estar segura de que é isso mesmo o que quer. Depois não haverá volta.

Eu travei um pouco. Não sei muito sobre meu noivo, mas algumas amigas que saem do convento me falaram sobre ele. É um nome conhecido em toda Europa e às vezes ele é visto em eventos.

Uma delas me disse que eu tinha sorte por não ter que virar uma freira e já ter um noivo sem precisar nem me esforçar, mas eu não penso que isso seja sorte. Ainda mais que eu não pedi por isso.

Outra me disse que eu não me preocupasse, pois Enzo não era um homem velho e nem era careca ou barrigudo. Ao contrário, ela disse. Era um homem muito bonito e sexy, mas isso eu não sabia.

— Eu não vejo como fazer isso, professora – respondi um tanto sem ânimo.

— Mas eu sim... Precisamos combinar tudo direitinho e você vai ter que usar de muita esperteza para escapar.

— Mas... E como farei com a irmã Lúcia e a professora Melody? Elas nunca vão me permitir sair do convento antes da data certa.

— Elas não sabem que eu preparei uma fuga para você. E a Melody também não concorda com isso, mas ela tem muito medo, por isso não faz nada.

Meu Deus, meu coração até pulou quando ouvi isso. Então eu teria uma chance de escapar de um destino programado há anos? Comecei a me animar.

— Está falando sério, Susan? – até me deu vontade de chorar — Vai me ajudar a sair daqui? Mas como?

— Eu vou explicar tudo e você vai prestar muita atenção – ela apertou meus joelhos — Não vai haver uma segunda tentativa. É agora ou nunca!

Deus me ajude!

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