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Capítulo 3 — Perdas

Luna

Ao entrar em meu quarto, o ser sem face estava lá e desta vez sorrindo sorrindo para mim. Olhei pela janela e vi minha mãe sendo arrastada de dentro de uma carruagem pelo meu avô, então não pensei duas vezes e pulei da janela, caí em cima dos arbustos e um pouco longe de onde podiam me ver. Não consegui ficar onde eu estava e não fazer nada. Meu sangue ferveu quando vi meu pai olhando a cena com desdém e ao redor da minha mãe, estavam vários lobos, apenas esperando as ordens de para atacar. Andei devagar e sem fazer barulho por entre as rebites até que os nossos olhares se encontraram, mas nossos lábios continuaram parados. Tínhamos o dom da telepatia e nesse momento eu senti sua dor, suas preces e uma mãe desesperada pedindo para que eu fugisse dali o mais rápido possível, mas eu não seria tão covarde para fazer isso. Lá no fundo do meu ser eu tinha medo e sentia que iria perdê-la, por mais que eu fosse forte, jamais conseguiria deter tantos deles de uma só vez, mas não pensei duas vezes quando sai das árvores, revelando quem eu era de verdade e a fera que ali dentro de mim habitava. Mas ainda sim eu era apenas uma garota com medo de seus medos.

— Você consegue, Luna. Seja corajosa e a salve. — Minha tia estava ao meu lado, suas mãos seguravam um colar de pedras verdes, ela estendeu a mão e o pôs em meu pescoço seu colar de âmbar.

Corri o mais rápido que eu pude até chegar na minha mãe. O ser sem rosto permanecia me olhando quando meu pai segurou meu braço e me levou ao chão.

— Olhe e veja ela ser morta por trair a família e principalmente, por trair a mim. — Suas mãos seguravam meu rosto fortemente, mas eu o forcei para o lado até que alcancei sua mão e mordi o mais forte que pude.

Eu só queria chegar perto dela, mas fui atacada por um lobo, puxei minha adaga e cravei em sua barriga, o fazendo cair em cima de mim. Uma multidão de soldados e alguns híbridos invadiram nossa casa, formando a atenção dos lobos, mas não a do meu avô que estava tentando segurar os braços da minha mãe de todas as formas.

— Seu velho inútil. — Disse revirando os olhos e pedindo força aos deuses.

A irá me dava mais energia e desde criança minha mãe me ensinou tudo que eu preciso saber, além da minha tia que sempre me ensinou tudo que sabe e por sermos iguais eu aprendi fácil e já sabia conjurar feitiços que poderia levar a morte e esse era um dos momentos certos para se usar.

— Bruxa! — As pessoas que estavam próximas falavam em alto e bom tom, enquanto minha mãe sorria orgulhosa em ver que eu aprendi muito bem tudo que ela me ensinou.

A energia tomou meu corpo e quando olhei, dos meus dedos saiam chamas e eu estava sendo movida pela fúria. Antes que as coisas pudessem se agravarem, imediatamente vi meus olhos nos do meu avô e o vi arder em chamas, implorando pelo perdão. Vi minha mãe tentar correr, mas ser pega pelos braços por meu pai, vi os lobos todos indo em sua direção. Levitei e invoquei a fera que vivia presa dentro de mim, esperando apenas uma oportunidade para ser exposta e caiar a destruição dos que estivesse perto. E novamente aquele ser sem rosto estava ao meu lado, mas desta vez sorrindo como se estivesse se divertindo com a cena que estava diante de seus olhos.

— Eu sempre soube que dentro dessa garota meiga, habitava uma fera incontrolável. — Seu riso era estridente, foi ouvido por todos e tinha o poder de deixar os mais fracos loucos.

Alguns lobos estavam evacuando, outros caindo e sendo torturados pelo riso e os que sobraram estavam cercando novamente a minha mãe.

— Você criou um monstro, agora enfim saberá como eu realmente sou. Você me fez assim, papai. — Disse caminhando em direção ao Ulisses, o qual eu nunca tive o mínimo de afeto. — Solte-a se quiser sobreviver. — Pedi vendo o mesmo esboçar um sorriso enquanto via minha mãe sofrer.

Meu avô estava apenas agonizando, cessei a chama do seu corpo e o fiz gritar de dor, fixando meus olhos ao dele e interligando nossos pensamentos de forma com que ele sentisse a minha raiva, isso era incontrolável em momentos de desesperos nos quais eu estava me encontrando agora.

— Ulisses, solte-a, eu o imploro. — Sua voz quase inaudível não causou nenhuma comoção em seu filho e o mesmo continuava a me desafiar, o que eu não estava achando ruim ,pois há muitos anos estava esperando por esse momento.

— Não pai, o senhor me controlou distante anos e agora está mais que na hora de eu me controlar sozinho. Aliás, isso aqui seria taxado como traição e o senhor sabe qual a punição para os traidores! Léia me deu uma filha bastarda e bruxa, o senhor sabe que eu nunca tive tolerância para traição.

— Como pode falar isso com tanta convicção? Você a traia com a empregada, ou acha mesmo que eu a santa boba que achavam que eu era? — Deixei um riso escapar, mas sem deixar o velho escapar. — Eu sei de todo seu passado, papai.

Meus cabelos negros estavam se transformando em raios, como se eu fosse capaz de explodir a qualquer momento. Assim como meus dedos, meu corpo também estava em chamas e isso foi o suficiente para que eu deixasse a irá tomar conta de mim e por fim libertei a fera que estava querendo sair. Abrir os braços, fechei os olhos e desejei com todo o meu coração para que minha mãe sobrevivesse, mas de repente as tropas de Malvim estavam invadindo nosso território. Minha mãe foi a primeira a ser alvejada por um flecha em seu peito, falecendo ainda nos braços de Ulisses, o mesmo teve seu corpo preso a uma estaca. Fixei meus olhos nos dele e suguei toda sua energia, levando-o a uma morte lenta e vendo seu corpo ficar seco e definhando ali mesmo na minha frente. Neste momento eu era apenas uma garota sendo movida pela raiva e a dor. Já não havia nada que eu pudesse fazer pela minha mãe, mas ainda sim me posicionei ao seu lado e peguei seu corpo, correndo o mais depressa que eu pude, adentrando a floresta e colocando-a ao lado de uma figueira.

— Mãe… — Às minhas lágrimas molhavam o chão e faziam as flores morrerem.

— Sobreviva, Luna. Me perdoe por ter falhado em algumas coisas, deveria ter lhe poupado algumas coisas e a preparado para outra. — Sua mão alisava meu rosto enquanto ela ainda sorria.

— A senhora não errou em nada. — Ajoelhei ao seu lado e implorei por misericórdia. — A senhora não pode me deixar sozinha, a senhora não pode morrer.

— Meu legado na terra chegou ao fim e esse é o meu momento. Tudo está sendo exatamente como eu já previa, minha filha. Agora vá, corra para o mais longe que puder, eles não vão descansar enquanto não a encontrar. Vá até este endereço e confie nas vozes, os ocultos estão do seu lado.

— Eu te amo mãe, te amarei por toda minha vida.

— Eu sempre amarei você, minha filha. Minha pequena feiticeira Luna. — Após a última lágrima cair, vi seu corpo virando cinzas e sendo levada pelo vento, restando apenas aquela flecha na grama tão morta quanto a minha alma.

Eu a obedeci e corri para o mais longe que eu pude, quando já não suportou mais. Após algumas horas, percebi que eu já estava muito longe e já não conseguia ouvir mais nada além do som das águas da cachoeira que estava a minha frente, parei bem na beirada de um precipício e por pouco não caí. Meu corpo estava no limite, eu já não tinha mais forças e então eu me ajoelhei, gritei e chorei até que não suportei a exaustão e ali mesmo eu adormeci.

Lancelot

As tropas de Malvim causaram um grande estragado, Merlin não conseguiu fazer nada pela minha matriz e agora só restou a destruição, o medo e a dor. As crianças estavam assustadas e todas as cabanas no chão. Eu queria poder gritar até que a dor fosse embora, mas eu não conseguia controlar o meu monstro e no momento da raiva e descontrole eu arranquei a cabeça de todos os soldados de Malvim, mas ele fugiu e eu não iria ficar em paz até fazer o mesmo com sua cabeça.

Merlin não apareceu em nenhum momento para me ajudar, eu estava desamparado e com minha matriz morta, mas tinha que velar seu corpo e cremá-lo, assim como sempre foi a tradição.

Meu monstro corria o mais rápido que conseguia, eu estava caçando tudo que surgia à minha frente, descontroladamente e com sede de vingança. A lua estava cheia pairava sobre mim enquanto eu me acalmava, sentido meu corpo fraco demais para continuar correndo. Um corpo caído me chamou a atenção e logo meus sentidos o farejaram, não estava morta. Era uma humana, pequena e toda machucada.

— Eu estou bem, apenas me cansei e acabei por me perder. — Ela estava acordada, porém, muito cansada e seu rosto estava roxo, como se estivesse apanhando bastante.

— De onde vem e o que você é?

— Sou Luna, venho de Oneduz e acabei por me perder. Minha mãe foi morta por lobos e pelas tropas de Malvim, vocês conhecem? — Seu olhar perdido vagava enquanto ela olhava para o horizonte como se não estivesse dando a mínima importância para mim.

— Os conheço. Sou Lancelot, venha comigo, aqui é perigoso demais a noite para uma garota perdida, além disso há um maldito feiticeiro vagando por aqui.

— Eu não me importo de passar a noite aqui, a morta será bem-vinda. A tenho como uma bela amiga. — Ela estava chorando e sem ação alguma.

— Também perdi minha mãe hoje, sei exatamente o tamanho de sua dor. Venha comigo, terá onde dormir e se aquecer esta noite. — Lhe estendi a mão e ela aceitou, mas estava fraca demais para se manter de pé. A peguei em meus braços e de repente ela desmaiou. Será uma longo caminho, mas espero não me arrepender.

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