CAPÍTULO 3 - HENRICO
— Você sabe a data e o endereço exato dessa boate? — Pergunto.
— Ocorrerá amanhã a noite na boate Vazz, você sabe qual é.
Sim, eu sabia. Era uma das minhas boates favoritas quando mais jovem.
— Vou precisar de uma máscara. — Falo.
— Não, nós vamos precisar de duas máscaras. — Ele me surpreende ao dizer, mas decido não questionar, será bom ter alguém conhecido para controlar minha raiva.
O fato de Curvelo ser um município pequeno e interiorano faz com que todos os seus habitantes se sintam membros de uma só família e se intrometam sem permissão na vida uns dos outros, apesar de ser um homem reservado meus pais me educaram para ser gentil e cortês com qualquer pessoa que cruze meu caminho, independente se essas pessoas são um bando de bisbilhoteiros intrometidos ou não. Ainda assim, eu não me senti bem—vindo ou confortável na minha própria casa, meus pensamentos estavam distantes e perdidos nas lembranças. Faz muito tempo desde a última vez em que estive aqui e as mudanças são visíveis. Todo mundo parece pensar três vezes no que vai falar quando me direciona a palavra.
Puxo as mangas da minha blusa social para cima, sorrio mais uma vez para a mulher gentil e amorosa que trabalha pra minha família desde muito nova.
— Vou subir. — Declaro, impaciente com toda a protelação que o almoço se deu. Alguns olhares me são direcionados rapidamente, toda a atenção está sendo sufocante, é como se fosse meu primeiro dia na cadeia de novo e eu fosse uma maldita atração.
— Você mal tocou na comida.
A mulher mais velha abaixa os ombros, me dando um olhar triste e decepcionada. Rosno baixo, levantando e parando ao seu lado. — Tudo estava delicioso, minha Deusa. —Digo, depositando um beijo em seus cabelos já grisalhos.
Não dando tempo pra nenhum protesto de Guilhermino, subo as escadas e vou em direção ao meu antigo quarto, o mesmo que eu dividia com ela e passei os melhores dias da minha vida. Seguro a maçaneta com força, respirando pesado e tomando um tempo. Assim que a porta se abre e meus olhos confirmam a minha suspeita meu coração acelera, nada foi alterado ou acrescentado.
É como se o passado não fosse tão distante, como se ela fosse entrar pela mesma porta que entrei, declarar que tudo não passou de um pesadelo e me beijar arduamente.
Fecho os olhos e inspiro forte, acreditando ainda poder sentir o cheiro dela.
Meu peito dói com as lembranças, o maldito dia onde tudo começou a ruir, de alguma forma eu sabia que algo iria acontecer. É como se eu pudesse ver toda a cena.
" O cabelo loiro esparramado pelo meu travesseiro, a imagem angelical e serena me faz deixá-la dormir mais um pouco. Sigo para um banho gelado e solitário, relaxo assim que a água entra em contato com meus músculos e tento não pensar que dentre algumas horas terei de lidar com a visita indesejada de meu sogro e sua família bastarda. Minha mulher esteve tensa por quase toda noite e precisei ser paciente e carinhoso para fazê-la esquecer com que teria que lidar hoje, mas eu mesmo estou inquieto com a chegada dos possíveis hóspedes, esses três meses de casado me deram tempo para ouvir e ler bastantes histórias da família Leal e tenho certeza que toda essa cordialidade não passa de pretexto do cachorro velho para encontrar uma forma de me separar da sua primogênita, sei muito bem que sou uma pedra em seu sapato e que seus planos para ela não incluía um casamento com um simples fazendeiro do interior. Não tenho o sobrenome requintado e nem o prestígio necessário para pertencer sua família, dane-se, não preciso dele para nada.
—Henrico? — Três batidinhas na porta e uma voz doce me trazem de volta, desligo o chuveiro e afasto o divisor que separam as duas partes do banheiro e sigo para a porta capturando no caminho uma das toalhas brancas que sempre ficam disponíveis no armário abaixo da pia.
— Oi, meu anjo.—Digo assim que a vejo em pé na minha frente, olhando—me com as bilas azuis e graúdas que me amolecem a alma. Tudo é sereno e tranquilo com ela. Beijo sua testa e observo sua expressão desapontada. — O que aconteceu?
— Queria tomar banho com você. — Declara, fazendo os lábios finos formarem um pequeno bico. Sorrio perante seu jeito meigo.
— Desculpe, mas você dormia tão bem que não quis te acordar.
—Deveria o ter feito, sinto que preciso de um banho com o gato do meu marido antes de começar esse dia. —— uma sobrancelha em sua direção, contornando de volta os três passos que dei para longe dela.
— Ei, princesa. Não precisa lidar com tudo isso, posso chutar seu pai e aquelas duas para fora daqui se quiser, precisa apenas me pedir. —Ela rir baixo, avaliando por segundos minhas palavras e sinalizando de forma negativa. Eu faria isso com o maior prazer.
—Você pegou mesmo desgosto por eles sem nem ao menos conhecer. Suspira, dando-me um olhar gratificante. Sorrio de forma descarada, puxo seu rosto para mim e encaixo seus lábios nos meus enquanto sussurro.— Ouvi histórias sobre a família Leal, por aí...
— Ah, é? —Ela me afasta e cruzas os braços. — Onde exatamente?
—Guilhermino me mostrou uns sites de fofocas. —Dou de ombros, voltando a me afastar rumo ao closet.
— Dois fofoqueiros isso é que vocês são, dois homens feitos fazendo pesquisas em um site de fofoca. — Espio de canto de olho, sua expressão de brava é uma graça, então resolvo atiçá—la mais um pouco.
— Pode falar qualquer coisa, mas aqueles sites me forneceram informações primordiais sobre minha mulher. — Disparo, mantendo—me de costas e vestindo de forma vagarosa uma cueca preta, uma das que ela diz me deixar extremamente quente.— Impossível. —Ela declara, demonstrando o temperamento quente que um dos sites comentou.
—É verdade que você já deu uma bolsada em um pobre repórter ? —Opto por uma calça jeans escura e viro para sua frente, fitando—a nos olhos enquanto espero por sua resposta e subo as calças pelas minhas pernas. A boquinha miúda é castigada por seus dentes, seus olhos se dividem entre me encarar nos olhos e o meio das minhas pernas ainda coberto apenas pela cueca.
— Você quer abotoar pra mim, princesa? —Pergunto, utilizando um tom sedutor de forma proposital.
— Ele mereceu, aproveitou o amontoado de jornalistas e apertou minha bunda aquele atrevido. —Murmura, indecisa se deve ou não colocar as mãos em mim. Sorrio pra ela. Eu já sabia o motivo que a levou estapear o homem em serviço, também achei um atrevimento do cara e provavelmente se já estivéssemos juntos naquela época ele teria saído no mínimo com a mão quebrada, mas minha garota se saiu muito bem e por isso merece uma recompensa.
—Sim, ele mereceu. — Concordo, trazendo sua atenção para meus lábios.— Quero você dentro de mim.—Diz.
Suas palavras despertam meu interesse, desnudo seu corpo com a mente e já estou pronto para lhe dar o que deseja quando alguém bate a porta e nos interrompe. Droga!
— O QUE É, CACETA? —Disparo com raiva e arranco um risinho de quem está do outro lado da porta.— Seu sogro está lá fora, docinho. —Reviro os olhos ao identificar a voz e grito para ele dar o fora que já desço. Babaca.
— Eles chegaram mais cedo que o previsto. —Aurora comenta e trato de caminhar em sua direção e envolvê-la em meus braços de forma protetora.
Apesar de nunca ter tido tantas mulheres antes dela sabia exatamente como tratar uma fora e em cima de uma cama, não costumo perder o controle perante o tesão, mas Aurora conseguia me deixar satisfeito com um beijo molhado e safado."
Ela está casada com outro.
Este é um lembrete diário que preciso me fazer. Para cada dia que eu passei na prisão foi um dia a mais que trabalhei pra ficar mais rico aqui fora, li sobre administração e negócios, fiz amizades lá dentro. Dei as instruções exatas para Guilhermino e eles as seguiu, ainda não tenho o sobrenome requintado, embora tenha muito orgulho do que tenho, mas possuo o dinheiro necessário para enfrentar Augusto Leal e toda sua corja.
Eu ainda não sei o que aconteceu ou quem mais está por trás da minha prisão, no entanto, estou pronto pra mais uma partida e não me importo com as consequências.
A primeira rodada começa amanhã a noite.