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A Babá Virgem no Morro

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Lili Marques
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Resumo

Camila cresceu no interior de São Paulo com os pais conservadores, sempre viveu uma vida regrada e pouco conhecia da vida de crimes e de toda maldade que cercava o mundo. Mas isso muda quando seus pais morrem em uma enchente e sua única parente vivia é uma tia que ela não vê há anos e que mora no Rio de Janeiro, no morro do Adeus. Três vidas totalmente diferentes, mas que vão se unir assim que Camila se torna a babá do irmão mais novo deles e se apaixona perdidamente pelos dois. O que comandava o morro João Miguel, um bandido que tinha crescido vendo as dificuldades da vida e João Vitor, que estudou enquanto seu irmão comandava o tráfico e agora os dois trabalhavam lado a lado buscando a prosperidade. Eles terão que vencer seus preconceitos se quiserem viver aquele amor, enquanto enfrentam a vida de morro.

romanceamor

Capítulo I - Camila

Acordei com trovões que estremeciam minha casa. Detestava chuvas porque elas costumavam destruir tudo o que tinha em volta.

Me levantei correndo da cama e encontrei meus pais já na sala, tentando ver a quantas estava a destruição.

— Precisamos sair daqui, não sabemos quanto tempo mais as barreiras vão aguentar. — meu pai falou apreensivo encarando a tempestade lá fora.

— Mas não temos pra onde ir José, nem mesmo dinheiro pra ficar em um hotelzinho.

Nós éramos uma família pobre ali do interior de São Paulo, meu pai trabalhava em uma fábrica ali perto e conseguíamos nos manter, eu trabalhava de babá para algumas mães do bairro, mas o dinheiro era pouco, afinal todo mundo ali era bem humilde.

— Podemos pedir abrigo na igreja. — disse dando uns passos a frente e alcançando os dois. — Padre Bento falou na missa de domingo que quem tivesse correndo e não tivesse para onde ir poderia se abrigar na igreja.

Meu pai me olhou por um minuto, eu sabia que o orgulho bobo de homem estava falando mais alto, ele não queria assumir que não podia cuidar da própria família. Mas ele precisava entender que nada daquilo era culpa dele e sim da natureza.

— Ela tem razão, meu bem. — minha mãe colocou a mão em seu ombro e eu o vi suspirar se dando por vencido.

Eu achava lindo o amor deles, um toque, um olhar e os dois se entendiam. Não que nunca houvesse brigas e discussões lá em casa, isso tinha, mas eles sabiam contornar os problemas juntos.

— Está bem, vamos pegar só o essencial e sair. A estrada está por um fio, vamos ter que ir andando.

Me apressei dentro do quarto peguei uma mochila e joguei duas mudas de roupa meus documentos, um porta retrato com meus pais e corri pra fora.

Mamãe já tinha juntado um punhado de comida em uma sacola de feira, meu pai já tinha pegado as roupas e os documentos, apenas o mais importante.

— Vamos logo! Se Deus quiser amanhã estaremos de volta em casa.

Saímos de lá correndo em meio a chuvarada, meu tênis tinha ficado encharcado só de pisar na estrada de barro. Mas foi aí que vimos que não éramos os únicos fugindo daquela barreira que poderia cair a qualquer instante.

Alguns vizinhos também saiam de casa levando malas e poucas coisas, nem adiantava usar o carro, pois sabíamos que as ruas estariam alagadas. Os pingos de chuva gelada me fizeram bater os dentes, minha roupa já estava molhada de mais.

Mas logo avistamos a cruz enorme da pequena paróquia que tinha na cidade, as luzes acesas diziam que o padre já estava esperando que seus fiéis fossem se abrigar ali.

Corri querendo chegar de pressa, não aguentava mais aquele frio que parecia congelar a alma. Atravessei a pequena dívida entre a estrada de terra para o asfalto, agora estava ainda mais perto.

Olhei para trás procurando meus pais, o barulho dos trovões e de toda a água não deixava que escutaremos direito o que estava acontecendo. Forcei os olhos entre a escuridão e os pingos d'água e avistei todos parados olhando a estrada.

Voltei correndo, querendo saber o que teria acontecido e me assustei com o buraco que tinha se formado, parte da estrada de terra tinha sido engolida, sumindo em meio a toda água.

— Mãe! Pai! Pulem que vocês conseguem!

Seguindo meu conselho vi outras pessoas fazendo o mesmo, pulando o pequeno buraco e conseguindo pisar do outro lado.

— Filha corra para a igreja! — papai gritou e o barulho de árvores se quebrando encheu nossos ouvidos.

Todos pararam paralisados com o barulho assustador da enxurrada de água, barro e árvores descendo por ali.

Encarei meus pais de olhos arregalados e tive a vaga noção da gritaria a nossa volta ter aumentado.

— Nós amamos você! — foi tudo o que ela disse antes de serem engolidos por aquela avalanche e serem carregados para longe.

— NÃO! — gritei chocada e senti mãos me puxarem tentando me tirar dali.

Eu lutei contra aquilo, não queria sair, queria ir com meus pais. Mas o aperto se tornou ainda maior e eu fui arrancada do chão e carregada para a igreja.

Eu estava em estado de choque, não sei se tremia agora por ter perdido meus pais ou pelo frio. Não conseguia mais nem raciocinar. Pessoas se amontaram a minha volta, perguntando como eu estava, mas eu não tinha ideia de como me sentia. Meu mundo tinha desmoronado.

Uma semana depois...

Eu tinha saltado do ônibus e procurei em volta por um táxi como minha tia tinha dito que eu encontraria.

As palavras dela ainda estavam vivas em minha mente.

— Quando chegar na rodoviária procure um táxi e diga para ele te trazer até o Morro do Adeus, eles sabem onde é!

— Ei gata nem pense em pegar o celular e dar bobeira, nem ficar com a bolsa dando sopa ali, porque tá cheio de trombadinha por aí! — foi minha prima quem gritou interrompendo a mãe dela e eu tentei manter aquilo em mente.

Trouxe a mochila para a frente do corpo e reparei em volta melhor, não queria que o perdesse o pouco que tinha. As pessoas passavam com pressa, esbarrando em mim não pediam desculpas e ainda me olhavam de cara feia.

O calor também não estava ajudando, a blusa de moletom que eu usava e a calça jeans, tinham sido perfeitas para a viagem no ar-condicionado do ônibus, mas ali eu estava cozinhando.

Encontrei um táxi e corri até ele desesperada, já estava começando a me arrepender de ter dito que ia até o morro sozinha.

— Bom dia.

— Bom dia, pra onde moça.

— Morro do Adeus. — suspirei, aquele nome era tão perfeito para como eu estava me sentindo naquele momento.

— Você não é daqui, não é menina? — o homem barbudo, usando regata e óculos de sol me perguntou.

— Está tão na cara assim? Eu sou de São Paulo.

— Ahh logo vi, o sotaque diferente te entrega! — eu duvidava que eu tinha sotaque, eles é quem puxavam o "s". — Mas a cara de perdida também. Sabe bem onde tá se metendo indo pra aquele morro?

Não, eu não tinha ideia. Quando minha tia falou onde morava eu procurei tudo sobre o lugar. Não era de todo feio, mas o que as pessoas diziam sobre lá não era nada agradável.

— Não, eu nunca conheci o Rio, mas minha tia mora lá e eu vou viver com ela agora.

— Pois então boa sorte, porque você vai precisar!

Eu ia precisar mesmo, de muita sorte pra continuar bem nesse mundo depois de tudo.

Quando chegamos ele me deixou na ponta do morro e perguntou se eu queria que ele esperasse minha tia. Mas eu tinha herdado o orgulho do meu pai e neguei, além do que não tinha dinheiro suficiente pra ficar segurando o homem ali com o taxímetro rodando.

Pesquei o celular na bolsa e olhei bem em volta antes de ligar pra ela.

— Eai Cami, já chegou? Mamãe foi no mercadinho comprar umas coisas.

— Estou aqui na entrada do morro onde o táxi me deixou.

— Beleza, me espera aí que eu estou descendo! Não sai da entrada e cuidado!

Bianca desligou tão rápido que eu me espantei. Mas enfiei o celular de volta na bolsa e comecei a olhar o lugar, os carros passavam avoados na avenida, as motos subiam e desciam assim como as pessoas.

Eu sentia que todos os olhos estavam em mim e não sabia se aquilo era coisa da minha cabeça, ou se eu estava mesmo sendo vigiada. Torci para que Bianca fosse rápida.

— Ei morena, tá fazendo o que parada aí? — um garoto se aproximou de mim e eu engoli em seco e apertei os braços em volta da minha mochila. — Tu não ouviu eu falar não? Ou é surda?

— E... eu... eu estou esperando uma amiga. — respondi quando outro apareceu ao lado me cercando.

Tentei dar um passo para trás e senti minhas costas baterem no muro de uma casa.

— Iiii ala, ela fala toda certinha! Certeza que é patricinha do asfalto!

— Anda, mostra aí o que tem na mochila! — o primeiro deles colocou a mão na minha bolsa e eu puxei com força, ignorando a dor quando meu cotovelo acertou a parede atrás de mim.

— Não tenho nada, só roupa! — tentei soar firme, mas nunca nos meus vinte anos algo assim tinha acontecido comigo.

— Tá pensando que tá onde pati? A gente manda aqui e estamos pedindo a mochila!

Eu deveria ser esperta e correr pra longe dali, ou gritar por socorro, mas as pessoas que passavam pareciam não se importar com o que estava acontecendo comigo.

Quando ele segurou a alça da mochila outra vez eu acertei um chute bem no meio das bolas dele e corri! Corri entrando no morro e ignorando os gritos atrás de mim.

Eu nem sabia para onde ir, corri como se minha vida dependesse disso.

— A gente vai te pegar piranha!

Eu entrei em um beco tentando despistar eles e corri subindo mais um pouco, virei em tantos buracos que nem sabia mais como voltaria.

— Você vai pagar filha da puta! — o garoto falou atrás de mim e eu olhei para ele sem parar de correr.

Toda a raiva que ele mostrava eu sabia que estaria morta se ele me pegasse, ou coisa pior.

Então eu esbarrei em alguma coisa dura e cai no asfalto com força.

— Posso saber por que estão perseguindo a garota? — uma voz grossa soou e eu ergui as costas e forcei os olhos tentando ver quem era.

— Que isso estão brincando de pega-pega agora? — outro homem falou e eu finalmente foquei na imagem a minha frente.

Dois homens loiros altos e fortes estavam parados de braços cruzados a minha frente.

Um deles tinha o cabelo raspado e era cheio de tatuagens, até mesmo na bochecha, a barba clara dava mais charme a ele mesmo que sua expressão gritasse perigo.

O outro tinha um boné na cabeça, os fios mais longos do cabelo escapavam pelo fecho e também tinha uma barba clara, mas esse não tinha nenhuma tatuagem, ao menos nenhum aparente.

— Fala agora vadia porque estava correndo!