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Capítulo 4

Continuamos conversando sobre aleatoriedade até chegarmos à sala de concertos. Assim que entramos, percebi quantas pessoas estavam ali para fazer um teste. Bufei de frustração quando lembrei que havia apenas três vagas e nem me preparei porque pensei que não havia muitos aspirantes a cantores em Seattle.

Levei Josh até uma das mesas ainda vazias e nos sentamos. Kriystian – o gerente do local – ficou encarregado de avaliar as pessoas e acabava de demitir uma garota que parecia irritada com a decisão negativa.

Outra garota subiu no palco e começou a fazer uma versão terrível de Hot N' Cold de Katy Perry.

— Droga, meus ouvidos estão zumbindo, com aquela voz horrível. — Reclamei sem me importar em ser ouvido.

—Você não tem um amigo que te diz que você canta mal? —Josh sussurrou só para que eu pudesse ouvi-lo.

— Ela nem precisa ser amiga, se ela vier até mim eu direi para ela desistir da ideia de subir no palco. —Ele disse com a mesma risada.

- Você não faria isso.

— Joshzinho, você vai ter que começar a entender que eu faço qualquer coisa sem me preocupar com nada.

—Eu gostaria de ser assim. —Foi sincero.

- Só pratique. Olha... — Olhei em volta e vi um garoto com o cabelo tingido de um vermelho alaranjado que contrastava completamente com o resto do seu estilo. Tem um aspirante a pica-pau na mesa ao lado, alguém tem que dizer a ele que cabelo ruivo não fica bem nele.

— Qualquer um, não faça isso...

- Ei! — chamei o garoto, ignorando a expressão de pânico de Josh. —Você, ruiva, você mesma! - eu disse quando ele olhou para mim. — Não sei qual era sua intenção, mas não é tão bom assim, você deveria tentar outra cor. Que tal um azul? Mas um azul escuro, né?

— Ah, você acha? — Ele passou as mãos pelos cabelos com uma expressão pensativa.

- Acho que não tenho certeza. — Sorri quando ele não respondeu e abaixei a cabeça.

— Isso foi... — Josh pareceu procurar as palavras. - Inconveniente. —Ele pareceu surpreso.

— Isso se chama crítica construtiva e as pessoas não deveriam ter medo de fazê-lo. Mas tive sorte daquele cara não ser impulsivo, algumas pessoas me mandavam me foder.

—E tenho certeza que você responderia com algo ainda mais ofensivo. —Ele brincou.

—Você está começando a me conhecer melhor. - eu disse com aprovação.

— Tenho uma regra sobre críticas construtivas. Eu só julgo o que uma pessoa pode mudar em cinco segundos, como uma alface num dente ou um cabelo fora do lugar. Agora que não vejo nada, não critico nada. - Ele sorriu.

— Ah, mas você pode trocar esse cabelo em vinte minutos. Sem falar que o estranho disfarce de Katy Perry poderia ajustar sua voz em seis meses.

— Você precisa ser mais sensível, Any.

- Talvez em outra vida? Nisto sou um poço de sinceridade e grosseria.

— Imagine se as pessoas conhecessem o seu lado adorável?

—Eu não tenho um lado adorável. - Coloquei meu olho branco.

— Bem, você é adorável quando fala comigo.

Fiquei em silêncio quando ouvi essa frase. Ninguém nunca me comparou a nada fofo ou digno de adoração, exceto quando eu era gordinho e todo mundo queria me apertar.

Percebi que Josh estava certo, eu estava sendo doce com ele sem nem perceber, então naturalmente as coisas fluíram sem que eu sentisse que precisava ficar na defensiva como costumava fazer quando conhecia alguém novo.

- Voce ainda esta aí? —Ele perguntou franzindo levemente a testa.

- Eu sou.

—Qualquer Rosmery Soares! — Kriystian gritou meu nome.

- É a minha vez. - Eu levantei-me. - Deseja-me sorte.

- Boa sorte, qualquer um. —Ele falou baixinho.

Eu disse a Kriystian qual seria minha música e ele me deu um sinal de positivo depois de encontrar o instrumental em seu laptop. Respirei fundo, segurei o microfone e fechei os olhos para me concentrar melhor. Comecei a cantar e abri os olhos na segunda estrofe, olhando diretamente para Josh.

Ele estava falando sério, seus lábios entreabertos em uma clara expressão de surpresa ao ouvir minha voz. Sorri para mim mesmo e me entreguei à música com muita confiança e liberdade para me deixar levar. Eu balançava com a música, arriscando notas mais altas de vez em quando.

Quando terminei, ouvi aplausos, mas só prestei atenção aos aplausos de Josh. Ele tinha um sorriso bobo no rosto e eu estava morrendo de vontade de saber o que ele pensava.

—Obrigado por isso, Any. —Cristão disse. — Você foi ótimo e com certeza entrarei em contato em breve.

- Obrigado! — Tentei parecer o mais controlado possível.

Saí do palco e fui até Josh, que já estava de pé esperando por mim. Acho que o assustei um pouco quando coloquei meus braços em volta de seus ombros e o abracei. Ele foi cauteloso ao retribuir o toque e quando nos afastamos ele estava levemente vermelho.

— Desculpe pelo meu exagero, só estava muito animado. -Risada.

- Tudo bem. — Ele abriu um sorriso tímido.

—Podemos ir para casa agora. Ainda tenho que ler sua correspondência, certo?

Josh apenas assentiu. Peguei sua mão e o levei em direção à saída. Eu sei que tecnicamente não precisei segurar a mão dele o tempo todo porque, como ele disse, ele não precisava de babá. Mas eu ainda sentia necessidade de fazer isso, talvez porque ele era uma das poucas pessoas que era legal comigo e eu sempre me agarrava a quem agia dessa forma.

O mesmo acontecia com Sina, quando caminhávamos lado a lado para qualquer lugar eu tinha o hábito de segurar seu antebraço como se precisasse ter certeza de que ela não se afastaria muito. Este pode ser um sintoma de deficiência, mas na verdade não é prejudicial.

QUALQUER Rosmery (— Ok, temos suas contas de luz, água, gás e internet. O que você faz na internet além de ouvir podcasts? Você usa redes sociais? — perguntei enquanto olhava a correspondência dele.

Josh estava sentado ao meu lado bebendo uma xícara de chocolate quente enquanto ouvia atentamente.

— Não, não utilizo nenhum perfil em redes sociais. Embora eu costumava usá-lo.

—Por que você abandonou a vida online? Muitos cegos se socializam assim, certo? — Posso estar muito enganado, mas com a tecnologia do nosso tempo isso foi possível.

— Sim, muitos cegos têm perfis ativos. —ele sorriu fracamente. — Não foi por isso que saí das redes. Eu queria recomeçar minha vida e coisas assim não pareciam mais fazer sentido para mim. Tornou-se irrelevante. Pareço uma pessoa idosa falando assim?

—Não, não parece. Também não sou muito fã, mas Sina me forçou a abrir uma conta no Instagram. Quase não uso, na maioria das vezes posto um story da Kitty quando ela faz algo fofo e minha última foto no feed deve ser de um ano atrás.

As redes sociais eram a melhor forma de fofocar sobre a vida de alguém e eu gostaria até de fazer isso com o Josh. Eu não estaria procurando nada específico e ele estava claramente aberto a responder qualquer dúvida que eu tivesse sobre sua vida, só que as pessoas nunca contam tudo, mas podemos descobrir nas entrelinhas de seus seguidores, tags e histórias em destaque.

Talvez seu antigo perfil ainda estivesse ativo, apenas abandonado às mariposas. Eu daria uma olhada nisso mais tarde.

—Você tem uma carta de alguém chamado Noah Urrea. — Virei as costas para ele e comecei a ler.

"Oi Josh, espero que você esteja bem. Seria se Londres não estivesse tão frio nesta época do ano. É uma pena que você tenha desativado sua conta de e-mail, seria uma maneira mais rápida de se comunicar. Se você acha sobre isso de novo, me avise." eu. Sério, você nem precisa iniciar conversas se não quiser..."

Josh riu e tive que parar de ler para vê-lo sorrir. Eu gostava cada vez mais daquela curva específica de seus lábios. E embora eu o tivesse acabado de conhecer, vê-lo feliz me contagiou como se já fôssemos amigos há muito tempo.

-Isso foi tudo? —Ele perguntou estranhamente depois de permanecer em silêncio por um tempo considerável.

- Que? — fiz uma careta. - Ah não! Desculpe. — eu ri sem jeito. — "...Sua mãe tem me mandado mensagens querendo saber se descobri seu novo endereço. Não gosto de mentir para ela, estou fazendo isso por você, mas seria bom se você tentasse. " ouça pelo menos uma vez. Você não precisa dizer a ela onde mora, apenas ligue ou visite-a. Deixe-o saber que você está bem..."

Josh suspirou depois de ler essa parte e o aborrecimento ficou claro em seu rosto.

— "...Vou mudar minha residência para um hospital nos Estados Unidos, de preferência em Washington. Tem sido difícil consertar isso, mas estou comprometido. Quero estar perto da minha família. Sinto falta, abraços da Inglaterra. PS: "Assim como você, o Big Ben é superestimado, não é tão bonito quanto dizem."

Outra risada saiu dos lábios de Josh. Fiquei curioso para saber exatamente quem era Noah, já que aparentemente ele era alguém que deixava Josh feliz.

O que mais me chamou a atenção foi o problema da mãe mencionado naquela carta. Não achei que as coisas fossem tão sérias a ponto de ele não querer contar à própria mãe onde morava. Olhe para mim, meu pai está preso por tráfico de drogas e mesmo assim eu disse a ele o lugar exato onde estaria.

—Ele também enviou um cartão postal do Big Ben. Ele sabe que você não pode ver isso, certo? E quem é Noé?

— Ele prefere ser chamado de Urrea. Ele é meu primo, está fazendo residência médica na Inglaterra.

— É tradição na sua família praticar medicina?

— Não. Mas os cursos padrão são medicina, direito, engenharia e administração.

— Deve ser um saco ter que atender às expectativas da família, né?

— Gosto da área, mas talvez seja porque me induziram a gostar. -Encolheu os ombros.

Fiquei em silêncio por alguns segundos, pensando em quais palavras deveria usar para fazer minha próxima pergunta. Não queria ser invasivo ou deixar as coisas de mau humor. Gostei da maneira como tudo fluía quando eu e ele conversávamos, mas também tinha uma vontade imensa de conhecê-lo, mesmo nas partes difíceis de sua vida.

—Por que você não contou para sua mãe onde você mora?

O rosto de Josh ficou mais sério, um pouco envergonhado, eu diria.

—Tive que sair de casa quase secretamente. Se eu desse meu endereço para ela ela estaria aqui todos os dias tentando controlar minha vida e eu não quero isso de jeito nenhum...

— Bem, você pode fazer uma ligação como seu primo disse na carta. - Eu sugeri.

—Minha mãe é muito dramática, Any. - O suspiro. —Ela provavelmente choraria e tentaria me manipular emocionalmente para deixá-la fazer o que quisesse comigo. Ela sempre foi protetora, mas depois que fiquei cega ela ficou sufocante. Preciso respirar por pelo menos algumas semanas antes de permitir que ele faça parte da minha vida novamente.

- Eu te entendo. – Fui honesto. — Faça tudo no seu tempo. — Coloquei minha mão na lateral do rosto dele e acariciei sua bochecha. — Tenho certeza que essa distância vai ajudar sua mãe a perceber que precisa relaxar um pouco e te deixar livre.

Eu não tinha percebido, mas a respiração de Josh ficou mais apertada depois que o toquei. Por alguma razão, a atmosfera tornou-se mais densa e estranha. Eu me senti estúpido e fazendo algo errado. Então afastei minha mão dele.

— Então... — Limpei a garganta. — Essa era toda a correspondência que eu tinha. — Deixei os papéis na mesinha de centro e me levantei. - Vou agora.

— Obrigado, Anydo A. — Ele sorriu suavemente.

—Se precisar de mais alguma coisa, me procure. —Depois que ele assentiu, caminhei em direção à porta, mas parei antes de abri-la. — E, ah, Urrea tem razão, você deveria abrir um e-mail para trocar mensagens com as pessoas. As cartas não são um encanto no século XXI.

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