Capitulo 2
"Não era um emprego assim tão mau!" Era o que eu pensava na altura em que começava arrumar os cinco livros na prateleira da biblioteca municipal. Acabava até por ser estimulante ter tantos livros para ler, sobre variados assuntos , cultura geral teria bastante. Quando era uma jovem estudante desejava ter um emprego onde pudesse viajar, correr o mundo. Foi isso que pensei quando tirei o curso de línguas e me propus como tradutora em vários locais de trabalho. Mas nada apareceu naquela altura a não ser a vaga de bibliotecária, o que já era muito bom, visto a crise de empregos.
Podia ficar feliz por ter um ordenado fixo e garantido , que me dava para pagar o aluguer do apartamento T1 onde habitava e as despesas totais ao mês. Um suspiro baixo sai da minha garganta , não devia me queixar , devia era agradecer ao Universo por me ter dado uma vida sem muito stress e preocupações . Afinal eu tinha um teto, alugado,mas que mantinha sem muita dificuldade, alem disso um Mini Cooper, um carro que eu amava de coração, totalmente pago com meu salario. Sorrindo , olho o livro de capa dura "Poemas românticos de Bocage" isso me trazia lembranças da minha infância, muitas vezes meu pai lia para mim e para minha mãe.
Há 6 anos que tinha mudado para a cidade grande , deixando meus pais na pequena aldeia onde viviam cuidando da quinta. Agora reformados , se dedicavam a cuidar da horta e de alguns animais que lhes davam uma sensação de utilidade nessa fase de vida . Eles não eram novos , pelos vistos , e usando as palavras de minha mãe, acidentes tambem acontecem aos 50 anos , pois eu acabei nascendo. Havia algum segredo em suas vidas visto que nunca me conseguiram dar uma boa razao para não terem filhos mais cedo , mas acabei deixando passar , afinal eles me amaram plenamente , ainda hoje se preocupavam como se eu ainda fosse uma criança .
O que não podiam estar mais errados , agora perto de fazer trinta anos, era uma mulher adulta que já não queria aventuras nenhumas, somente a paz que tinha alcançado . Apesar da minha vida social ser quase nula, andava equilibrada, tanto fisicamente como emocional. Por vezes batia uma solidão, mas logo passava quando recordava a minha relação com os homens. Minha vida amorosa tinha sido bastante atribulada e nada feliz.
Quando me apaixonei por Francisco pensei realmente que ele era o tal, o homem que me amaria até á velhice, que me daria filhos , que me ia aquecer nas noites frias de Inverno. Mas como já tinha acontecido em outros namoros , faltava sempre algo na relação, eu sentia um vazio a curto prazo, não podia enumerar nada especifico, mas nenhum homem que tentara conhecer mais romanticamente, me completava.
Mesmo quando passei ao nível seguinte com Francisco eu não atingia o culminar do prazer tantas vezes como seria suposto , e ele era atencioso, nada egoísta . Por uns tempos pensei que ficaríamos bem, mas meu desinteresse foi se manifestando e depois de dois anos a viver comigo ,Francisco acabou a relação por sentir que eu não o amava e ele realmente tinha direito a alguém que o fizesse, plenamente. Foi um grande desgosto saber que tinha feito alguém infeliz por talvez não ser capaz de amar, por ser frígida ou incapaz de conseguir atingir o orgasmo facilmente como as outras mulheres. Não haver química entre um casal é pronuncio de morte numa relação e eram nesses momentos que pensava que algo não estava certo comigo, fisicamente , sexualmente . Ou isso, ou escolhia sempre os homens errados .
Trabalhando numa biblioteca, tinha acesso a vários livros sobre o assunto, até mesmo pesquisei sobre BDS, talvez precisasse de outro tipo de prazer sexual. Mas depois de ler sobre o assunto, descobri que não me identificava totalmente com a pratica, era um pouco submissa, mas não totalmente e entraria em choque com esse tipo de relacionamento. Isso me levou de imediato a tomar uma decisão firme, tiraria férias dos homens ,não iria mais sofrer desgostos amorosos, era suposto o amor ser algo maravilhoso. Eu também desejava ser arrebatada por um homem, viver o que lia nos romances que estavam ali nas prateleiras daquela biblioteca, sentir a pele arrepiar quando o amor da minha vida me tocasse, sentir a humidade entre as coxas somente com um beijo bem dado , desmaiar quase instantaneamente quando o orgasmo batesse em mim. Esse pensamento me fez ruborizar de imediato ao descer o escadote, eu me dirijo ao balcão de atendimento, já nem me lembrava a ultima vez que tinha tido prazer assim, com um homem.
"Isso acontece somente em romances!" Pensei enquanto balançava a cabeça em descrença , registando os dois livros que tinham acabado de entregar . Suspirando olho ao redor , tudo estava calmo, dois estudantes estavam na mesa ao fundo absortos no estudo, enquanto um velhote apreciava um livro sobre pássaros exóticos na outra ponta da biblioteca. Indo até á maquina de café , tiro uma boa dose , escuro e forte , me sentando de imediato na cadeira atrás do balcão de registos, me recostando suspiro satisfeita bebendo um gole delicioso da bebida quente . Realmente não me podia queixar, estava bem com o que tinha naquele momento, estaria super bem se não fossem os sonhos estranhos que começavam a invadir meu sono ultimamente.
Imediatamente agarro minha bolsa, retirando um cartão, observo o numero de telefone por uns segundos. Devia ligar para confirmar a hora de consulta no psicólogo ,já tinha marcado há uma semana ,não devia adiar muito mais. Estava com esperança de não ter que ir , mas os sonhos não paravam, sonhos sem nenhum sentido para mim, mas que me perturbavam intensamente . Devido a isso, pensei porque não tentar interpreta-los com um profissional, poderia ficar mais relaxada se os entendesse.
Respirando fundo , eu ligo sem hesitação , confirmando a hora com a moça do outro lado da linha . Não sabia até que ponto me sentiria melhor depois da consulta, mas tinha curiosidade por saber o que o Dr. Cardoso me diria , no fundo também tinha um pouco de receio do que poderia vir dali.
Não sonhava com violência propriamente dita, mas o sangue estava presente , assim como presas afiadas e rosnados. Por vezes eram imagens muito repetitivas , estava numa clareira rodeada por inúmeras arvores, segurava algo no colo e uma bola de luz me rodeava totalmente ,como se alguem me estivesse protegendo . Eu não via nada senão sombras , ouvindo rosnados ameaçadores, quando acordava meu corpo tremia intensamente, a mente ficava em branco alguns segundos , mas tudo vinha a lembrança depois . Não haviam pessoas feridas propriamente ao meu redor , somente vultos , mas a violencia era latente . Minha nuca se arrepiou ao lembrar , apesar das imagens não sairem da minha mente eu sempre escrevia o que sonhava num pequeno caderno pousado na mesinha ao lado da cama. Não me queria esquecer de nenhum pormenor ao falar com o Dr. Cardoso. Bebendo o resto do café , olho o relogio, ainda faltava umas horas para acabar o expediente. Dando duas inalações profundas, deixei que meu olhar vagueasse por todas as pessoas que visitavam a Biblioteca.Ainda há pouco tempo atras pensava que tinha atingido o equilíbrio que tanto precisava na minha vida, sem vida social, um bom emprego, paz de espírito. Será que no fundo eu estava mal? Será que tinha uma vida tão apática , sem novas emoções , que entrara em choque mental? De momento ainda não tinha nenhuma resposta mas com a aproximação do meu trigésimo aniversario eu não deixaria que estes sonhos continuassem a perturbar o meu tão merecido bem estar.